“Capital cultural é para poucos” – Folha de S.Paulo


Obervatório – veja a distribuição dos equipamentos culturais na cidade 

A maioria dos paulistanos não vai a cinema, teatro nem a espetáculos; equipamentos se concentram em locais onde a renda é maior

MARIANA BARROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma das apresentações de agosto do Grupo Corpo, uma das mais conceituadas companhias de dança do país, uma perua vinda do Capão Redondo, no extremo sul, estacionou no Teatro Alfa, na zona sul, uma das mais sofisticadas casas de espetáculos de São Paulo.

A inspetora de alunos da rede municipal Lígia Harder, 43, que ganha R$ 600 por mês, era uma das passageiras. Aproveitou o programa de uma ONG da região onde vive que leva moradores a atividades culturais e dividiu com mais 11 pessoas o custo do transporte. "Se não fosse de perua, não dava para chegar, demora muito", diz ela.

O interesse e a disposição de Lígia em aproveitar a vida cultural que a cidade oferece é exceção entre os paulistanos. Segundo a pesquisa Datafolha, a maioria dos habitantes da cidade não vai ao cinema nem ao teatro nem a shows. São maioria também os que não freqüentam bares ou boates e é grande a parcela dos que não vão sequer a restaurantes (39%) ou a parques (43%).

"Há o problema do deslocamento, do preço das atividades e de oferecer algo que atenda ao gosto do público", afirma a professora de marketing da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Tânia Vidigal. Segundo a pesquisadora, há ainda um aumento no número de pessoas que preferem ficar em casa em seu tempo livre por conta da dificuldade de se locomover na cidade, da exaustão causada pelo trabalho e das novas tecnologias de entretenimento, como internet, DVD e videogame. "Quem faz mais lazer fora de casa é quem mora perto de equipamentos culturais", diz.

A pesquisa Datafolha confirma isso: enquanto na zona oeste, onde 58,7% dos moradores são de classes A e B, 40,3% vão ao cinema e 21,7% vão a espetáculos ao menos uma vez por mês. Já no extremo sul, onde apenas 27,7% são de classes A e B, são 23,4% os que vão ao cinema e 18,2% os que assistem a espetáculos todos os meses. Lígia integra essa parcela.

"Já vi "Quebra-Nozes" no Municipal, Almeida Júnior na Pinacoteca, fui ao planetário no Ibirapuera, vi peças no Parlapatões, mostra de cinema no Itaú Cultural… Até assisti ao [grupo] Havana Brasil no Bourbon Street, porque fiquei amiga de um dos seguranças", conta.

Lígia diz que não se incomoda com o fato de os outros freqüentadores terem mais dinheiro. "Não me sinto inferior. Tem gente que tem mais grana, que vai lá e toma uísque. Eu não e tudo bem", diz. Todas as quintas a inspetora se informa da programação gratuita da cidade, aproveitando os dias em que museus como o Masp e a Pinacoteca abrem as portas sem cobrar entrada. "Sou da resistência. As pessoas não deixam de ir por falta de interesse. É que é difícil mesmo".

O custo é impeditivo. Nas salas de cinema Kinoplex, no Itaim Bibi, um ingresso custa R$ 20; salas do Bristol e do Reserva Cultural, na avenida Paulista, cobram R$ 19 -sem contar os gastos com pipoca, estacionamento, ônibus ou metrô. O maior intervalo entre os ônibus nos finais de semana e o fechamento do metrô nas madrugadas é outro obstáculo.

Uma solução para diminuir os deslocamentos é ampliar o lazer nas áreas periféricas. Para o supervisor de programação da Secretaria Municipal de Cultura José Mauro Gnaspini, é preciso oferecer o que a comunidade gosta e ainda apresentar algo novo, além de abrigar e fortalecer ações espontâneas que já ocorram nesses locais. Isso, no entanto, não impede a segregação cultural. "Quem mora nos bairros centrais tem receio de se deslocar [para atividades na periferia] porque a imagem que nós temos aqui é a imagem da violência", diz a professora da FGV.

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