“61,5% das agredidas são atacadas todos os dias” – O Estado de S.Paulo

 

Conclusão é de estudo feito com vítimas que buscaram atendimento

Lígia Formenti, BRASÍLIA

Mulheres negras, entre 20 e 40 anos e que não ultrapassaram o ensino fundamental, são as que mais recorrem à Central de Atendimento à Mulher, criada para dar informações e orientações às vítimas de violência. A maioria (61,5%) diz sofrer agressões diárias, cometidas principalmente pelos companheiros. Os números integram estudo da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres divulgado ontem para lembrar os 2 anos de vigência da Lei Maria da Penha.

A procura por atendimento na central cresceu 107,9% se comparado o primeiro semestre deste ano e o mesmo período de 2007. Em 2008, 121.891 mil mulheres acessaram o serviço – aumento atribuído à lei. Do total, 9.563 denunciaram violência, crescimento de 9,8% sobre as queixas do ano passado.

Pesquisa do Ibope também divulgada ontem mostra que 68% dos brasileiros conhecem a lei e, dos entrevistados, 83% disseram que ela ajuda a reduzir a violência. Feita entre 17 e 21 julho, a pesquisa ouviu 2.002 pessoas em 142 municípios. Fátima Pacheco Jordão, coordenadora do estudo, avalia que os resultados refletem um panorama melhor. "Mas há ainda uma situação dramática: 42% dos entrevistados dizem que as mulheres não procuram serviço de apoio quando agredidas", diz.

Esse porcentual varia de acordo com a classe social. Nas classes A e B, 47% dos entrevistados disseram acreditar que a mulher não costuma procurar o serviço quando agredida. Entre as classes D e E, o índice é menor: 35%. A pesquisa revela que o maior grau de conhecimento sobre a lei está nas regiões Norte e Centro-Oeste, com 83%. No Sudeste, com 55%, está o menor.

Fátima avalia que, apesar de dificuldades, há hoje um risco muito pequeno de as normas caírem no esquecimento ou no descrédito. "Assistimos a um movimento sem volta. Mulheres cobram melhores condições de atendimento."

Maria da Penha, vítima de violência cuja trajetória se tornou exemplo, avalia que as novas regras inibem agressões. "Vejo isso em comunidades. Quando um homem vê que o vizinho do lado foi preso por agredir a mulher, ele pensa duas vezes antes de fazer o mesmo."

Apesar do apoio e popularidade conquistados, a lei ainda é aplicada parcialmente. Parte dos juízes resiste em aplicar as regras, delegados ignoram cuidados que devem ser dispensados às mulheres, sem falar no aparato insuficiente para garantir assistência às vítimas.

A ministra Nilcéa Freire, da Secretaria para Política das Mulheres, admite preocupação com a conduta de juízes que se recusam a conceder medidas protetoras. "Há corrente minoritária que considera a lei inconstitucional, pois fere o princípio de que todos são iguais perante a lei. Por isso, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade foi proposta no STF, para acabar com a polêmica."

Voluntárias cobram melhora no atendimento

Lígia Formenti, BRASÍLIA

Voluntárias de várias partes do País – as promotoras legais populares para implementação da Lei Maria da Penha – entregaram ao presidente em exercício José Alencar uma lista com medidas que poderiam assegurar o bom atendimento às vítimas. Entre as propostas, a garantia de que Delegacias da Mulher fiquem abertas 24 horas, pelo menos nos fins de semana. Também pedem a criação de núcleos especializados de defensoria pública e capacitação de profissionais. "Há alguns que ainda têm dificuldade em lidar com o tema", diz a coordenadora do Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, Rubia Abs.

A promotora popular Silvia Regina Fracasso, de 41 anos, tem na família um exemplo do atendimento falho. Sua irmã, Rosemery, de 37 anos, depois de ser ameaçada pelo marido, foi à delegacia e apenas um termo circunstanciado foi lavrado. "Foi em 2007, já com a Lei Maria da Penha. Ela não foi alertada sobre direitos e garantias. Não teve amparo, aconselhamento." Ela voltou para casa, no interior de São Paulo e, dias depois, foi morta pelo ex-companheiro. "Com requintes de crueldade: seu coração foi tirado, ela teve membros decepados. Hoje, ele está preso. É merecido, mas não traz minha irmã de volta."

Sílvia conta que na época já se preparava para ser promotora popular. "Foi coincidência. Hoje, quando aconselho mulheres ameaçadas, faço com muito cuidado, sempre lembrando da minha irmã. A violência está em todos os lados, entre pobres e ricos, analfabetos ou doutores."

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