Devagar, quase parando

 

Fonte: Veja São Paulo

Vinte especialistas apontam sugestões a curto, médio e longo prazo para melhorar o gravíssimo problema dos congestionamentos, que crescem a cada dia e indicam que é hora de agir antes que a cidade entre em colapso

Por Camila Antunes, Edison Veiga e Fabio Brisolla

O trânsito de São Paulo – e seu efeito negativo sobre a qualidade de vida de todos os seus moradores – pode ser traduzido numa marca recém-atingida pela cidade: 6 milhões de veículos, quase um para cada dois habitantes. É de arrepiar. Na última década, a frota paulistana aumentou 2,5 vezes mais do que a própria população. Além de roubarem de cada cidadão horas que jamais serão recuperadas, os congestionamentos prejudicam a economia e queimam milhões de litros de combustível. Na semana passada, a cidade bateu sucessivos recordes de lentidão pela manhã: 149 quilômetros na segunda-feira, 155 quilômetros na terça e 165 quilômetros na quinta, o pior do ano. De 2006 para 2007, a velocidade média dos veículos nas ruas da capital caiu de 29 para 27 quilômetros por hora. São Paulo precisa adotar medidas corajosas, polêmicas e muitas vezes antipáticas para tentar desatar esse nó que nos sufoca dia a dia. "Apenas no longo prazo haverá solução para o trânsito", acredita o prefeito Gilberto Kassab. "Isso não significa que a prefeitura esteja omissa", afirma, lembrando algumas medidas que tem adotado, como a instalação de semáforos inteligentes e a criação de mais dois corredores de ônibus. Urbanistas e especialistas em trânsito apontam doze soluções possíveis que poderiam trazer algum alento imediatamente, a médio e a longo prazo. Em comum, são ações que têm um efeito mensurado e foram implementadas em outras cidades. Ou seja, não há mágica. Dependem, na maioria dos casos, mais de vontade política do que de investimentos pesados. Está mais do que na hora de fazer a cidade andar.

CURTO PRAZO

Tolerância zero contra os infratores
Não apenas educação e civilidade garantem respeito às leis de trânsito. No mundo inteiro, motoristas são disciplinados pela certeza da punição. É preciso multar mais. Se eles passam a respeitar as leis, o índice de acidentes cai e a fluidez do trânsito melhora. Em 2007, a CET aplicou 4,2 milhões de autuações, 4,5% a mais que no ano anterior. Nos horários de pico, a companhia diz que 500 marronzinhos estão nas ruas. Em julho do ano passado também foi anunciado que o grupo receberia o reforço de 1100 homens da Polícia Militar, treinados para monitorar o trânsito e multar motoristas, desde que parem o carro para adverti-los. Qual foi mesmo a última vez que você, caro leitor, foi parado numa blitz e teve de mostrar sua carteira de habilitação para um policial?

Fiscalizar o rodízio
Marginal Pinheiros, manhã de terça (4)Desde que foi implantado, em 1997, o rodízio municipal tira 20% dos carros das ruas nos horários de pico. Claramente perceptível de início, o alívio durou pouco. O efeito acabou engolido pelo crescimento da frota, de 5% ao ano, em média, e pelo desrespeito de muitos motoristas. Hoje, a fuga do rodízio ainda é a infração mais anotada pela CET. No ano passado, houve 1,4 milhão de multas, número 12% menor que as infrações registradas em 2006. É preciso intensificar urgentemente a fiscalização. Uma das medidas seria multiplicar na cidade os atuais 36 leitores automáticos de placas (LAPs), espécie de câmeras que fotografam a chapa dos que furam a restrição. Instalados em 2005, os LAPs são responsáveis hoje por 66% das multas de rodízio. O problema é que o número de leitores permanece o mesmo há três anos, a despeito do aumento da frota. Para que as principais vias do centro expandido fossem fiscalizadas, teriam de ser alugados mais 110 equipamentos, ao custo de 1,1 milhão de reais por ano.

Aumentar a velocidade nos corredores de ônibus
Avenida dos Bandeirantes, manhã de quinta (6)Como a cidade não dispõe de sistema de transporte sobre trilhos à altura de uma metrópole com mais de 10 milhões de habitantes, os 15 000 ônibus respondem por 72% das viagens feitas em transporte coletivo. Não basta ampliar os atuais 154 quilômetros de faixas exclusivas para 232 quilômetros até 2016, como pretende a Secretaria Municipal de Transportes, sem agilizar a operação das já existentes. A velocidade média dos ônibus nesses corredores, segundo o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de São Paulo, é de 12 quilômetros por hora, 14% a menos que há dez anos. Se os trajetos fossem racionalizados e os veículos particulares que trafegam nos corredores sempre multados, a velocidade poderia dobrar. Alguns especialistas defendem a idéia de que os 32 000 táxis que rodam na cidade também deveriam ser proibidos de circular nesses corredores. Desde 2005, essa prática é permitida por lei.

Tirar das ruas os carros em más condições
Das 700 ocorrências que a CET atendeu diariamente em 2007, mais da metade referia-se a veículos quebrados. O bloqueio de uma única faixa na Marginal Tietê por apenas quinze minutos provoca, em média, 3 quilômetros de fila. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito, cerca de 73% da frota tem mais de dez anos de idade. A Inspeção Técnica Veicular, prevista desde 1997, quando foi lançado o novo Código de Trânsito Brasileiro, seria um meio de retirar esses carros de circulação. O início das inspeções veiculares para verificar o nível de emissão de poluentes, segundo o prefeito Gilberto Kassab, começará em maio. "A ação visa a combater a poluição do ar", afirma Kassab. "Mas vai atingir em cheio os motoristas infratores e os veículos velhos."

Tirar da rua os carros irregulares
Estima-se que 30% da frota (1,8 milhão de veículos) esteja na ilegalidade. Significa que não pagam IPVA, multas e licenciamento. Por isso, rodam despreocupados com o rodízio. Se fosse autuado, todo esse contingente irregular deixaria as ruas da cidade.

Criar área de retenção de motos
Essa é uma idéia incipiente, implantada no mês passado em Natal, no Rio Grande do Norte. Trata-se de uma área demarcada com uma faixa no chão para que os motociclistas se posicionem à frente dos carros, enquanto aguardam o sinal abrir num cruzamento. As motos largariam antes, o que evitaria trombadas. Todos os dias, 25 acidentes envolvendo motos ocorrem nas ruas paulistanas, com o saldo de um morto.

Incentivar os fretados
Cada ônibus fretado significa quinze automóveis a menos nas ruas. É preciso estimular o uso desse transporte no deslocamento casa–trabalho. A prefeitura tem cadastrados 3 723 veículos de 421 empresas de fretamento. Estima-se que o serviço seja utilizado, diariamente, por 570 000 paulistanos.

MÉDIO PRAZO

Cobrar pedágio nas regiões centrais
A idéia de afugentar o motorista mexendo com o seu bolso é uma das que mais dividem os especialistas. "É uma medida impopular, mas que precisa ser tomada", afirma o engenheiro de transporte Dario Rais Lopes, ex-secretário estadual dos Transportes. Estima-se que, se for adotado em 212 quilômetros de vias centrais ao custo de 5 reais para os motoristas, a arrecadação seria de cerca de 2 bilhões de reais por ano, o suficiente para construir 20 quilômetros de metrô anualmente. O custo da implantação do projeto seria de 90 milhões de reais. O pedágio urbano já foi instituído em grandes cidades do mundo, caso de Londres, Cingapura, Oslo e Estocolmo. "Antes de implementarmos aqui, precisaríamos fazer a lição de casa, oferecendo ao cidadão boas alternativas de transporte público", acredita o engenheiro de transporte Jaime Waisman, professor da USP.

Investir em equipamentos
Para controlar o caos no trânsito, a CET tem 276 câmeras espalhadas pela cidade. Desse total, 160 estão com defeito. O plano é iniciar a licitação para recuperar os equipamentos dentro de três meses. Outra meta, segundo a companhia, é o investimento em semáforos eletrônicos. "Compramos 400 novos equipamentos e já encomendamos mais 1200 unidades", diz Adauto Martinez Filho, diretor de operações.

LONGO PRAZO

Prosseguir com investimentos no metrô

O caminho para uma redução efetiva dos engarrafamentos começa com um investimento consistente em linhas do metrô. Novidade zero. Alcançar esse objetivo, porém, é um problema histórico. São Paulo tem 61,3 quilômetros para atender 3 milhões de passageiros por dia. Até 2012, o plano é adicionar mais 31 quilômetros em trilhos. A falta de recursos nesse setor, segundo especialistas, causou danos graves ao tráfego paulistano. "O metrô da Cidade do México começou quase na mesma época e hoje é três vezes maior", compara o engenheiro Emiliano Affonso Neto, vice-presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô. Inaugurado em 1969 (o paulistano surgiu em 1974), o metrô da capital mexicana se estende por 201 quilômetros e atende 4,2 milhões de pessoas diariamente.

Transformar trens em metrôs de superfície
Os 119 trens metropolitanos, insuficientes e alguns deles em estado deplorável, levam e trazem 1,6 milhão de pessoas diariamente. O metrô, o transporte público mais bem avaliado pelo paulistano (excelente para 85% dos usuários), carrega 3 milhões de passageiros por dia, apesar dos seus escassos 61,3 quilômetros de trilhos – Paris tem 212 quilômetros e Londres dispõe de 408. Uma das saídas para suprir tal deficiência é modernizar, ampliar e integrar os sistemas de trens, ônibus e metrô existentes. De acordo com o secretário estadual dos Transportes Metropolitanos, José Luiz Portella, 98 trens da CPTM serão reformados e 99 adquiridos. Haverá 36,5 quilômetros de novas linhas de trem, com o mesmo nível de velocidade e pontualidade apresentado pelo metrô.

Terminar o Rodoanel
A maior resistência ao Rodoanel vem de grupos conservacionistas, que consideram uma ameaça a áreas de Mata Atlântica a necessária via expressa de 178 quilômetros que interligará três rodovias federais e sete estaduais na região metropolitana. O trecho oeste, o único concluído, ficou pronto em 2002 e tem 32 quilômetros. Em maio, foram retomadas as obras da parte sul, orçada em 3,6 bilhões de reais – os 61,4 quilômetros devem ser entregues em 2010. "Mas não basta", acredita Laurindo Martins Junqueira Filho, superintendente de planejamento da SPTrans. "Precisamos ter anéis viários na cidade para que cada vez menos alguém que tenha de ir de um bairro a outro cruze a região central."

 

Com a palavra, os engarrafados
Mario Rodrigues


"Informar rotas alternativas é uma maneira de ajudar os motoristas a driblar os congestionamentos. O que mais me surpreende no dia-a-dia do meu trabalho é observar que a maior parte dos carros é ocupada por uma pessoa só."
Juliana Verboonen, 26 anos, repórter da Rádio SulAmérica Trânsito. Entre 6h e 13h, ela faz boletins a cada quinze minutos

"Sou obrigado a acordar cada vez mais cedo para não me atrasar. A situação está ficando insuportável."
Luiz Felipe Bermudes, 27 anos, auditor. Ultimamente leva uma hora por dia para ir, de carro, dos Jardins à Pompéia, onde trabalha.

"Há cinco anos, para ir do Alto de Pinheiros até a Bela Cintra, na altura da Avenida Paulista, eu gastava quinze minutos. Agora levo quarenta minutos para percorrer o mesmo trajeto. Quando o passageiro fica nervoso no carro, tento um caminho alternativo. Mas nem sempre dá certo."
Benedito Alves Mendonça, 56 anos, taxista. Há doze anos trabalha catorze horas por dia nas ruas da cidade

"Da janela do ônibus, vejo os motoristas de carro parados e não tenho inveja. A não ser pelo fato de que eles estão sentados e eu de pé."
Neide Pinto, 31 anos, diarista. Ela mora no Jardim Aurélio, na Zona Sul, e gasta quatro horas por dia em um ônibus para ir ao trabalho

OS ESPECIALISTAS CONSULTADOS: Adriano Murgel Branco, ex-secretário estadual dos Transportes; Alexandre Zum, consultor de trânsito; Cyro Vidal, presidente da Comissão sobre Direito de Trânsito da OAB-SP; Dario Rais Lopes, vice-presidente do Instituto de Engenharia e ex-secretário estadual dos Transportes; Emiliano Affonso Neto, vice-presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô; Eric Ferreira, coordenador do Instituto de Energia e Meio Ambiente; Gabriel Feriancic, consultor de trânsito; Harald Zwetkoff, gerente de novos negócios da Companhia de Concessões Rodoviárias; Horácio Figueira, vice-presidente da Associação Brasileira de Pedestres; Hugo Pietrantonio, professor da USP; Jaime Waisman, professor da USP; José Bento Ferreira, professor da Unesp; Laurindo Martins Junqueira Filho, superintendente de planejamento da SPTrans; Leonardo Pedro Lorenzo, consultor de projetos viários; Luiz Célio Bottura, ex-presidente da Dersa; Manoel da Silva Ferreira Filho, presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô; Marcos Pimentel Bicalho, superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos; Nelson Maluf El-Hage, ex-presidente da CET; Percival Bisca, professor da Unicamp; e Sergio Ejzenberg, consultor de trânsito.

 

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