Pesquisa mostra que moradores amam o Rio e acham que a cidade pode melhorar, apesar da queda da qualidade de vida

 

Selma Schmidt – O Globo e Patrícia Sá Rêgo – O Globo Online
RIO – No domingo, vai fazer um mês que a professora Glória Demoro Hamilton perdeu seu único filho, o policial da Core Eduardo Demoro da Cunha Mattos, baleado por traficantes dentro de um helicóptero. Há quase cinco anos, Cleyde Prado Maia sofre com a ausência da filha Gabriela Prado Ribeiro, morta durante um tiroteio no metrô na Tijuca. Desde junho do ano passado, o vocalista da banda Detonautas, Tico Santa Cruz, tem de conviver com a ausência do guitarrista e amigo Rodrigo Netto, assassinado numa tentativa de assalto, no Rocha. O também músico Marcelo Yuka ficou paraplégico há sete anos, quando foi baleado por ladrões. Em uma enquete realizada pelo GLOBO ONLINE, leitores disseram que o Rio perdeu seu charme por causa da violência ( confira ).

" Apesar de tudo, existe otimismo e amor "

Mesmo atingidos em cheio pela violência, Glória, Cleyde, Tico e Yuka não perderam a esperança de que o Rio dê a volta por cima. Sentimento semelhante foi identificado na primeira pesquisa qualitativa de percepção do carioca a respeito da cidade em que vive, realizada pelo Movimento Rio Como Vamos. A principal conclusão do levantamento ( saiba como foi feito ), feito pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), é de que o carioca ama e sabe que o Rio tem condições privilegiadas para dar qualidade de vida a seus habitantes, embora nos últimos anos a sensação de viver numa cidade maravilhosa tenha diminuído dramaticamente.
"Paulistas morrem de inveja de nosso estilo de vida"

Os entrevistados associam a perda de qualidade de vida principalmente à falta de segurança, mas também à sujeira, à má conservação, à população de rua e a serviços públicos deficientes. Eles admitem que participam pouco da vida da cidade. A maioria não se lembra sequer do político em quem votou nas últimas eleições municipais, nem tem o hábito de acompanhar o desempenho de prefeitos e vereadores. Para os cariocas, qualidade de vida é ter acesso a bons serviços, aliados à possibilidade de desfrutar das maravilhas naturais e humanas do Rio.

– Apesar de tudo, existe otimismo e amor, ou seja, uma energia positiva para que se possa pilotar uma história boa para o futuro da cidade – diz a cientista social Samyra Crespo, que coordenou a pesquisa "Ser carioca, a cidade e a nossa qualidade de vida", na qual foram ouvidas 136 pessoas.

A comparação com São Paulo surgiu espontaneamente durante a pesquisa. "Paulistas morrem de inveja de nosso estilo de vida", disse um jovem que estuda e trabalha.

O trabalho será apresentado nesta quinta-feira, às 9h, durante encontro no auditório da Fecomércio (Rua Marquês de Abrantes 99, Flamengo). Serão mostradas ainda séries históricas de indicadores de qualidade de vida.
Praia do Arpoador – Foto: Marizilda Cruppe / O Globo

A beleza natural do Rio, "de tirar o fôlego", segundo uma empresária, foi destacada por todos os grupos que participaram da pesquisa como o que a cidade tem de melhor. "É impossível olhar o mar e ficar de mau humor", comentou a mesma empresária. É de um terapeuta a constatação: "A gente maltrata a cidade, mas a sua beleza resiste". Yuka concorda:

– O Rio insiste em ser bonito. É castigado por todos os lados. Mas ainda é bonito.

Em meio a elogios apaixonados à paisagem, foram poucos os entrevistados que mencionaram a degradação ambiental e a poluição de rios e lagoas.

– A pesquisa confirmou ainda que a praia é o território do carioca e o shopping, o seu sonho de consumo, pela segurança e pela variedade que proporciona – contou Samyra.

" Não haveria tráfico se não houvesse consumidor. São esses consumidores que financiaram o fuzil que matou o meu filho "

O levantamento mostrou também um saudosismo nos cariocas, que lembraram o tempo em que as pessoas caminhavam tranqüilamente pelas calçadas e as crianças brincavam nas ruas, sem medo da violência. Um jovem chegou a afirmar que o "pai era um apaixonado pela cidade nessa época". Um tempo que a professora Glória Hamilton conheceu bem:

– Fui feliz e não sabia. Na juventude, há 50 anos, vivi a época gloriosa do Rio. Não havia a invasão da droga. Não haveria tráfico se não houvesse consumidor. São esses consumidores que financiaram o fuzil que matou o meu filho – disse Glória, convocando para o ato que marcará um mês da morte do policial Demoro, no domingo, a partir das 10h, no Posto 6, na Praia de Copacabana.

Apesar do tom nostálgico, um funcionário público ouvido na pesquisa deixou claro que "vale a pena lutar pelo Rio". E a empresária Celina Carpi, uma das coordenadoras do Rio Como Vamos, sugere o caminho:

– O objetivo do movimento não é fazer passeata nem abaixo-assinado, mas estimular a ação qualificada.

Para Tico Santa Cruz, o carioca deveria se mobilizar mais:

– Ele só participa de futebol e de atividades de entretenimento. Me revolta juntar um milhão na praia para assistir à apresentação de aviões e não juntar 40 para reivindicar melhorias no serviço público.
"Uma cidade suja é um convite à predação"

A mãe de Gabriela Prado também entende que a participação é essencial para que haja mudanças:

– Qualidade de vida é ter o direito de ir e vir preservado, com segurança. Jogar pedra na polícia não resolve.

" É difícil dormir com barulho de tiros e não poder sair de casa, nem voltar para ela "

Entre os entrevistados, o sentimento era de pânico e histeria, mostrando o grau de estresse em que a população se encontra. "Estamos cansados de fuzil na cara", disse um morador do Complexo do Alemão. Alguns consideraram que a violência está fora de controle e questionaram até as estatísticas.

Todos os grupos de discussão mencionaram que a violência vem modificando para pior a vida nos bairros. Foi o terror que fez com que o administrador Fabiano Silva, de 30 anos, se mudasse do Grajaú para a Barra. Num intervalo de menos de dois meses, um corpo foi encontrado dentro de um carro abandonado em frente a seu prédio e um tiroteio ilhou um grupo de amigos em sua casa:

– É difícil dormir com barulho de tiros e não poder sair de casa, nem voltar para ela.

Embora os entrevistados destaquem ser bom o serviço de limpeza de ruas, à exceção de favelas, a sujeira compete com a violência entre os problemas que mais incomodam. A sujeira a que se referem é causada pelo próprio morador, acostumado a jogar lixo e a urinar na rua. A aparência suja também está atrelada à falta de manutenção e à população de rua. "Uma cidade suja é um convite à predação", disse uma professora, que fez referência ainda às pichações e ao vandalismo.

Fonte: O Globo – 06/12/2007

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