Escola joga livros no lixo

 

MARIA REHDER, maria.rehder@grupoestado.com.br

Cerca de 400 obras literárias, incluindo autores renomados como Federico García Lorca, Machado de Assis e Guimarães Rosa, amontoadas em sacos de lixo e jogadas na calçada, próximos a um bueiro. Foi assim que os moradores da Rua Jundiapeba, na Vila Zelina, região da Vila Prudente, na Zona Leste, encontraram na quarta-feira os livros descartados pela Escola Municipal Ruth Lopes Andrade.

O contador Manoel Rodrigues, 59 anos, conta que levou um susto ao passar em frente à escola por volta das 19h da quarta-feira. “Comecei a mexer nos sacos e para a minha surpresa, além de livros didáticos usados, encontrei clássicos da literatura, como João e Maria dos irmãos Grimm e a Casa de Bernarda Alba (de Federico García Lorca).”

O bancário Elvis Pires e Silva, 27 anos, que estava a caminho do supermercado, ficou indignado: “Quando vi as obras em sacos de lixo, decidi levá-las para casa. Foram necessárias oito viagens com meu carrinho de feira para levar cerca de 300 livros, já que vizinhos já tinham levado algumas obras.”

Os moradores da Vila Zelina tentaram entrar em contato com a direção da escola municipal ao ver os livros na rua, mas a unidade estava fechada. “Alguns livros chegaram a molhar porque foram jogados perto de um bueiro, mas a maioria estava em bom estado, garante o contador, que salvou do lixo O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, entre outros clássicos.

O bancário conta que um dos moradores do bairro ligou ontem para a escola e teve a informação de que as obras foram descartadas “por causa de cupim”. “É duro você ensinar para os filhos o valor da leitura enquanto uma escola comete esse absurdo. Os livros estão em bom estado e vou doá-los para a instituição espírita Casa André Luiz.”

Circe Bittencourt, coordenadora do Programa de Banco de Dados de Livros Escolares Brasileiros da (Livres/Universidade de São Paulo), afirma que não há nada que justifique essa atitude da escola. “É um absurdo. Nenhum tipo de educador pode fazer uma coisa dessas.”

No entanto, a especialista avalia que falta hoje na rede pública de ensino uma educação formativa de educadores – não só de professores, mas para todos os funcionários da escola – sobre a importância da leitura. “O poder público tem que rever o papel da biblioteca (a escolar e a pública). É preciso criar meios para mobilizar a sociedade para freqüentá-las.”

Ezequiel Theodoro da Silva, professor da Faculdade de Educação da Unicamp e presidente da Associação Brasileira de Leitura, afirma que na maioria dos casos o acervo das bibliotecas das escolas públicas não é planejado e muitas delas ficam em espaços improvisados na escola. “Isso não justifica o descarte de livros, mas há escolas que recebem doações ou grandes remessas cuja a compra foi mal planejada, o que gera um acúmulo de obras as quais a escola sequer tem espaço para guardar.”

O outro lado

A reportagem do JT tentou entrar em contato com a direção da escola, que informou que responderia via Diretoria de Ensino. A Secretaria Municipal de Educação, por meio de nota, informou que a Diretoria Regional de Educação Ipiranga , considerando a gravidade da denúncia envolvendo a Emef Prof. Ruth Lopes Andrade (Vila Zelina), determinou uma apuração preliminar para esclarecer os fatos. Segundo a nota, “a medida permitirá que se conheça as razões pelas quais os livros do acervo da unidade tenham sido jogados fora”.

Fonte: O Estado de S.Paulo – 01/02/2008

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Bairros sem acervo de livros infanto-juvenis

Enquanto uma escola pública joga no lixo 400 livros, há bairros na Capital como Parelheiros, extrema Zona Sul, sem nenhum exemplar de livros infanto-juvenis em biblioteca. Esses são dados do Observatório Cidadão Nossa São Paulo – banco virtual de dados oficiais da Capital.
Em bairros mais centrais, a diferença de oferta chega a ser gritante. Na região da subprefeitura da Sé o número de livros (do acervo das bibliotecas públicas) por habitante de 7 a 14 anos é de aproximadamente 13, na Mooca, 7 e na Vila Mariana 5. Entre os bairros com acervo nulo de livros infanto-juvenis em bibliotecas públicas estão Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Jabaquara, M´Boi Mirim, Parelheiros e São Mateus. No entanto, a Secretaria Municipal de Cultura, por meio de sua assessoria de imprensa, indica que há bairros que não tem bibliotecas públicas infanto-juvenis, mas em contrapartida oferecem aos cidadãos o acervo dos Centro Educacional Unificado (CEUs). No caso de Parelheiros, os moradores não têm nenhuma das duas opções.
Segundo Elvis Cesar Bonassa,diretor da Kairós Desenvolvimento Social e membro do Movimento Nossa São Paulo, os cidadãos têm de monitorar essas diferenças de oferta de acervo de livros na Capital. "Esses são dados oficiais e cabe a sociedade cobrar a oferta igual de acervo", afirma.
Ezequiel Theodoro da Silva, professor da Faculdade de Educação da Unicamp e presidente da Associação Brasileira de Leitura, afirma que essa diferença de acervo dos bairros periféricos em relação às zonas centrais não é novidade. Circe Bittencourt, coordenadora do Programa de Banco de Dados de Livros Escolares Brasileiros (Livres/USP), concorda. "Além da oferta igual de acervo, o desafio hoje do poder público é atrair o leitor para esses espaços." (Maria Rehder do JT)

 

 

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