Promessa de Alckmin de 2002, ‘Vale do Silício’ de São Paulo fica às moscas

RAUL JUSTE LORES – FOLHA DE S. PAULO

Quando a farmacêutica Libbs inaugurar seu centro de pesquisa e desenvolvimento, em 2019, será a primeira empresa oficialmente instalada no Parque Tecnológico do Jaguaré –anunciado no longínquo ano de 2002.

Projeto do primeiro mandato de Geraldo Alckmin (PSDB) como governador, o "futuro Vale do Silício paulistano", como era chamado na década passada, tem 286 mil m² no papel –em áreas da secretaria estadual de Desenvolvimento e Ciência, da USP e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, o IPT, no Jaguaré. Pouco, porém, aconteceu nos 15 anos seguintes.

O formato mudou diversas vezes: primeiro, teria uma incubadora para empresas iniciantes de tecnologia, as chamadas startups; depois, seria uma aceleradora para desenvolver as mesmas. O projeto atual é de atrair grandes empresas, especialmente nas áreas de saúde, farmacêutica e tecnologia da informação.

A construção do prédio que é a sede administrativa do parque também se arrastou. O projeto inicial era de R$ 3,1 milhões, em 2002. O último, terminado em 2015, saiu por R$ 15,6 milhões. Tem 6.000 m² –os outros 40 mil m² no terreno da secretaria, vazios, servem de estacionamento para funcionários.

"Quando cheguei aqui, isto estava vazio. Trouxemos a secretaria para cá, economizando o aluguel que pagávamos na região da Paulista. Só faltam as empresas privadas agora", disse à Folha o vice-governador do Estado, Márcio França (PSB), que também é secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação.

A secretaria teve alta rotatividade nesses 15 anos: 12 diferentes secretários chefiaram a pasta. Cada um passou, em média, apenas um ano e três meses no cargo. O nome e as atribuições da secretaria mudaram cinco vezes no período. Na última mudança, em 2013, ganhou "Inovação" ao já longo título.

Diversos secretários da gestão tucana passaram por ali antes de partir para outras pastas. O próprio Alckmin foi secretário, na gestão do também tucano José Serra.

O vice-governador está há dois anos à frente da secretaria. "O fato de os terrenos pertencerem a três pessoas jurídicas diferentes é uma confusão. Também mudanças de estatutos, aprovações na Assembleia, criação do Conselho Gestor levam tempo."

O secretário diz que as licitações para a concessão dos espaços são complicadas. "Se não estiver milimetricamente aprovado, vou responder judicialmente", justifica.

Ele conta que os funcionários públicos responsáveis por avaliar o valor de imóveis "acabam colocando os valores lá em cima, com medo de responder na Justiça".

"Queremos formar um condomínio, com a cobrança pela outorga e pelas despesas, como um shopping. Faz mais sentido ter empresas grandes aqui, as pequenas não geram negócios", afirma.

Por isso, ele engavetou a ideia de uma incubadora. "Você vai na incubadora da USP, não é aquela coisa. É a empresa grande que faz o negócio girar." Em sua visão, haverá licitação para se instalar 15 empresas em 30 mil m² disponíveis.
 

SEM PRIORIDADE

O vice-governador acrescenta que o espaço do parque já está "vivo", com restaurante e eventos. Mas, nas duas vezes em que a reportagem o visitou, o prédio principal estava deserto. O lugar mais movimentado era o auditório, onde funcionários recebiam massagem em uma cadeira de shiatsu instalada no próprio palco.

Até um sócio da empreitada diz que o modelo "não está claro". "O parque ainda não está constituído. Já oscilou várias vezes", disse à Folha o presidente do IPT, Fernando Landgraf. "Somos coadjuvantes nessa sociedade."

Ele admite que o parque "não faz parte das nossas prioridades". "Nos últimos dois anos, estamos lutando pela nossa sobrevivência. 65% da nossa receita vem da venda de serviços para a indústria, que sofre a crise."

A assessoria da USP não respondeu aos pedidos da Folha para que informasse seus planos em relação ao local.

Empreendedores e mentores da área tecnológica dizem que o modelo de parque tecnológico já está ultrapassado.

"Pode ser útil para cidades pequenas, que queiram atrair empresas que jamais iriam para lá, mas para São Paulo chegou tarde demais", diz o empreendedor Luiz Candreva, mentor das StartupWeeks, eventos com jovens empresários de todo o Brasil. "O que empresas grandes e pequenas querem hoje é centralidade, densidade e vizinhança."

Candreva cita diversos exemplos de sucesso em São Paulo. "Incubadoras e aceleradoras são cercadas de grandes empresas e dos clientes. A Cubo, do Itaú, está perto da Faria Lima. Samsung, Vivo, Visa, Shell e Edp incubam startups em suas próprias sedes. O Google Campus está na região da Paulista."

Para ele, o Jaguaré é distante. "Se fizerem um parque só para empresas grandes, sem pensar nas startups, seria um desperdício. As grandes estão atrás do oxigênio e das ideias das pequenas."

————————————

Cronologia

Nov.2002
Gestão Alckmin anuncia a construção do Parque Tecnológico de São Paulo, na vizinhança da USP e do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). O nome do chamado "condomínio empresa-rial", que seria o "Vale do Silício paulista", era Núcleo do São Paulo ParqTec, orçado em R$ 3,1 milhões

21.jul.2010
São anunciadas as obras de reforma e adaptação do prédio que abrigaria a sede do parque, em um terreno de 46 mil m².
Haveria três blocos, e um deles seria uma incubadora para 52 empresas iniciantes –seu orçamento era de R$ 10,6 milhões e ele ficaria pronto no 1º semestre de 2011

17.jan.2013
Após o projeto anterior não ser executado, é anunciada uma nova obra, agora orçada em R$ 15,6 milhões. Em dez meses, as primeiras empresas poderiam se instalar, dizia anúncio do governo

2.jul.2014
Alckmin inaugura "primeira etapa" do parque, mas sem nenhuma empresa instalada. Ele anuncia um conselho gestor e uma empresa "aceleradora", que investiria em empresas pequenas, e diz que a seleção delas já iria começar. Também seria instituída uma entidade gestora para administrar o parque

20.abr.2017
Governador anuncia a instalação da primeira e única empresa do parque, a farmacêutica Libbs. As obras do prédio da companhia ainda não começaram. A previsão é que ela passe a operar em 2019

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

Compartilhe este artigo