Licitação de Doria para os ônibus mantém serviço ruim, dizem organizações

Cortes de linhas, critérios pouco claros na remuneração e redução da participação social estão entre os problemas apontados em edital divulgado no fim do ano

Por Rodrigo Gomes, da RBA – Rede Brasil Atual 

O novo edital de licitação do sistema de transporte coletivo da capital paulista, elaborado pela gestão do prefeito João Doria (PSDB) e divulgado no dia 21, traz avanços pontuais, mas não garante melhoria no serviço de ônibus da cidade. Essa é a conclusão de uma análise do documento realizada por sete organizações e alguns membros do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT). “O edital traz pontos positivos bastante pontuais e pontos negativos em questões estruturantes. O resultado final é uma mudança estrutural do sistema que promete muito, mas que na verdade não vem acompanhada do devido detalhamento sobre sua implementação”, argumentam. 

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O documento foi analisado por Ciclocidade, Cidadeapé, Cidade dos Sonhos, Greenpeace, GT de Mobilidade Urbana da Rede Butantã, Idec-Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Rede Nossa São Paulo e pelos conselheiros do CMTT: Rafael Drummond (Oeste), Meli Malatesta (idosa), Mila Guedes (pessoa com deficiência).

Para indicar o que está bom, o que falta e o que está ruim (confira abaixo), eles avaliaram cada um dos sete temas do edital: Remuneração e Controle Operacional, Participação e Controle Social, Bicicletas, Modernização dos Ônibus, Estruturação da Rede, Concorrência, Competitividade e Transição, e Acessibilidade e Caminhabilidade.  

Entre os pontos criticados, as organizações apontam que houve pouco cuidado da gestão Doria com temas prioritários como modalidade de concorrência – que será apenas entre empresas nacionais –, participação popular em propostas de mudança ou extinção de linhas e o modelo da remuneração das empresas. O Idec ressalta ainda que a mudança na forma de remuneração das empresas favorece que elas cumpram as regras estabelecidas, mas os pesos e os critérios ainda não estão claros.

O edital

Entre as propostas do edital de licitação do sistema de transporte coletivo da capital paulista, a gestão do prefeito João Doria (PSDB) pretende extinguir mais 149 linhas e cortar outras 134, além das 80 que foram alteradas este ano. Além disso, o número total de coletivos será reduzido, com ampliação do processo de troncalização e mais integrações para realizar a viagem.

O edital indica uma possível redução no tempo de espera dos coletivos de 5% com a troncalização, o que deve resultar em poucos minutos de diferença na prática. Não há previsão de construção de novos corredores na gestão Doria. Este ano, a ação foi totalmente paralisada – e o orçamento de 2018 não prevê investimento significativo.

A consulta pública ao edital foi aberta no dia 21, às vésperas das festas de fim de ano, o que também foi criticado pelas organizações. O processo vai durar 45 dias, mas as sugestões terão de ser encaminhadas apenas à Comissão Especial de Licitação, presencialmente ou por e-mail. Não estão previstas audiências públicas. A proposta é que a vigência dos contratos seja de 20 anos, com custo de R$ 7,8 bilhões por ano, redução de apenas 2,5% no custo do sistema frente aos atuais R$ 8 bilhões.

O edital prevê a inserção de veículos maiores no sistema, com aumento do número de lugares disponíveis. Assim, o total de coletivos deve cair dos atuais 13.603 para 12.667. Mas a oferta de lugares deverá subir em 100 mil assentos, de 1 milhão para 1,1 milhão.

No caso da remuneração, a proposta prevê um modelo de pagamento composto de remuneração básica por custo do serviço realizado, mais uma avaliação de satisfação do usuário. Também serão contabilizados critérios de segurança operacional, antecipação de utilização de energia limpa, redução de acidentes, demanda transportada e um bônus por produtividade econômica.

Avaliação do edital segundo as organizações

– Remuneração e Controle Operacional

Está bom

Remuneração levando em conta não só o serviço, mas a satisfação do usuário, redução de poluentes, manutenção, acidentes e produtividade. Este tipo de remuneração é uma novidade no serviço de ônibus no Brasil;

Remuneração do serviço calculado via GPS;

Falta

Não há especificação dos requisitos mínimos de garantia da qualidade do GPS para que se garante que as empresas cumpram metas de qualidade via controle de GPS;

Não está claro quais são os mecanismos para garantir modicidade tarifária;

Falta explicar melhor e deixar mais claro para a população como serão avaliados os pontos;

Está ruim

Falta clareza sobre o cálculo dos índices de satisfação do usuário, que serão levadas em consideração na remuneração;

– Participação e Controle Social

Está bom

Nada;

Falta

O CMTT deve ter sua legitimidade respeitada de modo que seja um interlocutor protagonista da sociedade civil durante o processo licitatório;

As 33 audiências públicas realizadas pela prefeitura devem ser realizadas novamente, pois só agora se tem acesso integral ao conteúdo de todas as informações da licitação. É uma exigência do art. 39 da Lei de Licitações;

O edital não prevê mecanismos de controle social periódico durante a vigência da concessão (por exemplo rodadas de audiências públicas a cada 5 anos para avaliar metas e indicadores previstos no edital e implementação de representação dos usuários como dispõe o art. 30 da Lei Municipal 13.241/01);

Está ruim

A consulta pública não deve ser aberta às vésperas do natal e deve prever 90 dias para participação;

A prefeitura não adotou uma "linguagem cidadã" para estimular a participação dos interessados, inclusive a forma de participar é muito restritiva pois não há uma plataforma web amigável;

Não está clara a metodologia que a prefeitura utilizará para avaliar e sistematizar as contribuições da sociedade civil;

– Bicicletas

Está bom

A licitação oficializa a possibilidade de levar bicicletas comuns dentro de ônibus articulados, permitindo a intermodalidade entre esses veículos em 11% da frota. Hoje, a entrada de bicicletas dentro de ônibus com 23m de comprimento é prevista por uma portaria da própria Secretaria de Transportes (Portaria 32/16), que nunca chegou a ser cumprida em sua plenitude; 

Falta

É preciso considerar bicicletas dobráveis como carga comum, para que possam ser levadas em qualquer ônibus. Incluir bicicletas dobráveis permitiria a intermodalidade entre ônibus e bicicleta em 54% da frota, considerando ônibus padrão, articulados e biarticulados;

O texto também não parece abrir a possibilidade de usar suportes externos (rack) no futuro, que seriam os mais indicados. Embora suportes externos dependam de aprovação de lei federal, tal aprovação para os próximos 15-20 anos não deveria ser descartada;

A questão de treinamento para motoristas também é bastante vaga no edital. Há previsão de obrigatoriedade de treinamentos de direção defensiva apenas para motoristas envolvidos em incidentes de trânsito. Não há menção de treinamentos específicos para convivência com modais ativos de transportes, não há previsão de participação social nos programas de treinamento e não fica claro como os treinamentos podem contribuir com a meta de redução de acidentes;

Está ruim

O edital limita a apenas uma bicicleta por ônibus, partindo do princípio que ciclistas pedalam sempre sozinhos. O ideal seriam duas bicicletas;

– Modernização nos ônibus

Está bom

A iniciativa de um limitador de velocidades que impeça fisicamente motoristas de ultrapassar a máxima de 50km/h é elogiável, pois a velocidade condiz com a máxima esperada para centros urbanos. Seria interessante deixar mais claro no edital que o limitador de velocidades não é apenas um limitador de 50km/h, mas que diagoga com as velocidades máximas de cada via, de modo a não ultrapassá-las;

O edital oficializa a redução das emissões do transporte na cidade por meio de redução do número de veículos da frota total, da exigência de parâmetros para a renovação dos veículos e com a implementação do novo sistema tronco-alimentador. O cronograma de redução de emissão nos ônibus é bem vindo, pois facilita o planejamento das operadoras ao estabelecer porcentagens claras de redução anual da poluição, zerando a emissão de CO2 em 20 anos;

Falta

É preciso explicitar a lei de mudanças climáticas, não citada o texto: "As concessionárias devem seguir o programa de redução de emissões de acordo com a Lei 14.933/09.";

A tecnologia embarcada nos veículos é importante e bem vinda, mas deveria servir também para o controle da operação, não apenas monitoramento. Um Centro de Controle Operacional (CCO) para o sistema de ônibus o permitiria ser controlado a partir de uma visão global da operação, como acontece com o metrô. Para que isso ocorra, também é fundamental que corredores e faixas exclusivas de ônibus funcionem bem na cidade;

– Estruturação da Rede

Está bom

A cobertura da rede vai aumentar em 10%;

Falta

Criação de “nós” para maiores opções de transferências (Operação Controlada);

O aumento da cobertura da rede em 10% é positivo, mas considerando que a cidade possui mais de 17 mil quilômetros de rede viária, um aumento de apenas 500 quilômetros de cobertura ainda é insuficiente;

Frequência e confiabilidade das linhas locais e de articulação regional precisa melhorar, não somente das linhas estruturais;

A Prefeitura alega que a reestruturação da rede vai reduzir o tempo de viagem em 5%, mas não apresentou qualquer dado que comprove esse tipo de alegação. Atualmente, não existe nenhum mecanismo capaz de verificar com precisão o tempo de viagem, por isso essa alegação é no mínimo curiosa;

A reestruturação da rede sozinha não garante a diminuição de tempo nas viagens. É criar mais estruturas de prioridade ao transporte público (corredores, faixas exclusivas e sincronização de semáforos), inclusive seguindo as determinações do PlanMob;

Está ruim

Não estão criando uma rede nova, só estão remendando a atual;

Há poucas conexões entre bairros e poucas alternativas para viagens que não passam pelo centro;

Localização dos pontos é inadequada e não favorece as baldeações, criando situações em que as pessoas precisam andar mais que 400 metros;

Falta de terminais ou estações de transferência nos bairros;

A minuta não prevê a participação na reestruturação da rede, seccionamento/eliminação de linhas, etc.;

– Concorrência, Competitividade e Transição

Está bom

A localização das garagens não ser necessariamente no lote que a empresa vai operar permite maior flexibilidade;

A comprovação da capacidade técnica e financeira é proporcional ao interesse nos lotes;

Falta

A possibilidade de empresas sem garagens requisitarem as garagens existentes é positiva, mas o modelo colocado na minuta é insuficiente: primeiro pelo prazo de início da operação (30 dias) e segundo porque coloca todo o ônus na empresa vencedora. A Prefeitura precisa criar novos arranjos e modelos para solucionar o problema das garagens (p.ex. compartilhamento de garagens, aluguel, etc.);

Seria importante que a Prefeitura apontasse as linhas de crédito disponíveis para a operação do sistema, a fim de facilitar a entrada de novas empresas;

Dos 29 lotes a serem licitados, apenas quatro tem exigência de frota mínima abaixo de 100 veículos. Isso prejudica a entrada de novas empresas, especialmente de pequeno porte;

Está ruim

Empresas podem concorrer em múltiplos lotes sem limitação, o que pode aumentar a concentração da operação na mão de algumas poucas empresas; as empresas também podem entrar em consórcios diferentes, criando uma grande miscelânea na operação (parecido com as coligações partidárias confusas);

As empresas que ganharem terão apenas 30 dias para iniciar a operação, o que na prática inviabiliza a entrada de novas empresas no sistema;

Não há qualquer menção a conflito de interesses na minuta do edital (p.ex. empresas que teriam interesse em 'roubar' usuários do sistema de ônibus para outros modais;

Não há previsão de mecanismos pra evitar que empresas que controlem várias etapas do setor produtivo concorram (p. ex. empresas que produzem ônibus, detém postos de gasolina, operam o sistema, etc.);

– Acessibilidade e Caminhabilidade

Está bom

Índice de segurança entrou na fórmula da remuneração das empresas;

As normas de acessibilidade existentes foram contempladas na minuta;

Falta

Não há detalhamento sobre o treinamento de segurança (conteúdo, frequência e cronograma);

As normas de acessibilidade existentes hoje já estão defasadas com relação às tecnologias existentes (p.ex. a medida da cadeira dentro do ônibus contempla apenas cadeiras manuais, e não os diferentes tipos de motorizadas). Ainda que as normas existentes estejam sendo cumpridas, a Prefeitura poderia ter dado um passo adiante e contemplado essas novas tecnologias;

Falta detalhamento sobre sinalização acessível (sonora, tátil e visual) dentro dos veículos;

Falta detalhamento sobre a meta e cronograma da transição de veículos com rebaixamento hidráulico a fim de permitir o embarque e desembarque de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida;

Está ruim

Os temas de acessibilidade e caminhabilidade estão difusos ao longo de todos os documentos, dificultando a participação efetiva da sociedade;

A minuta não prevê a possibilidade de mais de uma cadeira de rodas por veículo;
A reestruturação das linhas vai levar a um aumento de transferências e baldeações, o que tem impacto grande para todos os passageiros, mas principalmente para as pessoas com deficiência;

A minuta não traz nada sobre localização dos pontos e melhorias no entorno para as baldeações.

Matéria publicada no portal da RBA – Rede Brasil Atual.

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