Sociedade civil discute gestão de resíduos sólidos nas cidades brasileiras

Evento abordou a discussão sobre a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos nos municípios brasileiros.

A ação das prefeituras diante da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a inclusão social dos catadores e uma mudança cultural da sociedade para o reconhecimento do trabalho desses profissionais foram alguns dos assuntos discutidos em evento promovido pela Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis, Rede Nossa São Paulo e Programa Cidades Sustentáveis na última segunda-feira (21/1), em São Paulo, numa parceria com a Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas.

O evento contou com a participação de representantes da sociedade civil, da academia e técnicos envolvidos com a temática, incluindo integrantes de movimentos nacional de catadores, e teve como objetivo levantar dificuldades e problemas relacionados ao assunto para, num segundo encontro, debater-se soluções.

Legislação e realidade

Entre a existência da lei, com suas diretrizes de gestão e gerenciamento de resíduos, e sua colocação na prática ainda existe um grande abismo, além de muitas divergências, segundo concluíram os participantes do evento. "Muito embora se considere (a política nacional) uma conquista, os desafios e ameaças são muito maiores que as oportunidades", comentou Carlos Alencastro Cavalcanti, representante da Comissão Nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Matérias Recicláveis (MNCR). "Não podemos deixar de citar o artigo nono, que, muito embora não tenha claramente o modelo tecnológico de geração de energia, abre uma grande porta para a geração de energia pela incineração", complementou.

A falta de mecanismos mais econômicos de reciclagem foi um dos problemas apontados por Daniel Carvalho, sociólogo e sócio da empresa Cicla Brasil, voltada para o desenvolvimento da reciclagem no Brasil com a inclusão dos catadores. "Quando a população começar a reciclar mesmo, não vamos ter uma cadeia produtiva capaz de atender (a demanda). Com a superoferta, a indústria se dará o luxo de não aceitar material e os catadores serão os principais afetados com a queda brusca dos preços. Quando o preço despenca, a gente vê quebra em massa de organizações de catadores", alertou.

Para Nina Orlow, arquiteta e integrante das Agendas 21 locais de São Paulo e do GT Meio Ambiente da Rede Nossa São Paulo, existe um desafio. "Como conseguiremos colocar como prioridade primeira a não geração de resíduos?", questionou ela.

 

Indicadores e orçamento

Premissa básica para a implementação da política nacional, segundo a coordenadora do Observatório Cidadão da Rede Nossa São Paulo, Clara Meyer Cabral, devem ser considerados os indicadores sociais disponibilizados pelo poder público. São números que apresentam, ou deveriam apresentar, a realidade do município, como, por exemplo, com relação à quantidade de domicílios abrangidos com a coleta seletiva do lixo.

Outro item básico para a implementação da política é o orçamento público, segundo alerta o economista Augusto Ribeiro, integrante do Grupo de Trabalho (GT) de Orçamento da Rede Nossa São Paulo. Isso porque dela é que partem os recursos utilizados na gestão dos resíduos. Ele comenta, por exemplo, que, ainda são destinados mais recursos para a manutenção dos lixões em detrimento da coleta seletiva.

Inclusão do catador

O catador de material reciclável ainda tem seu trabalho pouco compreendido pela sociedade, segundo os debatedores. "A população entende o catador de um jeito ainda muito preconceituoso", diz Daniel Carvalho, da Cicla Brasil.

Eduardo ferreira de Paulo, do MNRC, afirma que o preconceito, embora menor, ainda existe. "Anos atrás, éramos conhecidos como mendigos, como último recurso de vida. A forma com que a dona de casa tratava a gente era por uma fresta da porta. Foi-se estabelecendo um contato de mais confiança. A gente também queria mostrar porque estava catando papel: questão de sobrevivência. Queríamos catar papel em vez de ficar pedindo comida, incomodando, e tirando o que é dos outros. Só que o preconceito continua até hoje. Incluir os catadores não é só arrumar um galpão para eles. Tem que ter contato com as pessoas, com a cidade", sugeriu.

Para Mateus Mendonça, da consultoria Giral, para que o catador seja respeitado, antes de tudo ele precisa se reconhecer como um ‘bem’ e não como um ‘mal’ para a sociedade. "Mal é o carro e não a carroça do catador na vaga do carro", diz o consultor, acostumado a lidar com catadores que se sentem intimidados com a pressão sofrida no dia a dia, especialmente no trânsito das grandes cidades.

Possíveis soluções

Ao final desse primeiro encontro, os participantes apontaram, em uma palavra, possíveis soluções para os problemas levantados durante todo o dia. Mais transparência na gestão pública, o acompanhamento dos legisladores e do orçamento público, a divulgação de boas práticas, uma política rumo ao lixo zero, o incentivo a empresas que usam material reciclado, a pressão sobre o setor empresarial para que custeie a coleta seletiva e uma melhor remuneração para os catadores foram alguns dos tópicos sugeridos.

Pesquisador do Programa Cidades Sustentáveis e intermediador do encontro, Ariel Kogan ressalta que os municípios têm um papel fundamental na implementação da política nacional, por meio da formulação dos planos municipais, da criação de mecanismos de gestão, transparência e acompanhamento e na busca pelas melhores práticas. É essencial também a mobilização, participação e acompanhamento da sociedade nesse processo. 

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