‘Quem quiser quintal no centro de SP terá de pagar’, diz secretária de Doria

RAUL JUSTE LORES – FOLHA DE S. PAULO

Responsável por colocar na prática o Plano Diretor e o zoneamento aprovados na gestão de Fernando Haddad, a secretária de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, Heloisa Proença, defende que a prefeitura permita prédios acima de oito andares nas áreas fora dos corredores de ônibus e metrô.

"Temos que enfrentar a questão do adensamento. Se você quiser morar em casa com quintal em áreas centrais da cidade, vai ter que pagar caro por isso", diz.

"A classe média alta gosta de casas e prédios baixos, o que vai empurrando quem não pode pagar por isso para mais longe. Temos que discutir um modelo mais justo."

Ela admite que a sua secretaria anda morosa no ritmo de aprovação de projetos. "Nossa legislação é excessiva. Não acho que a prefeitura deva decidir quantas vagas de garagem ou quantos degraus alguém vai construir."

Folha – Por que a prefeitura quer permitir mais andares em prédios nas ruas fora dos eixos do transporte público [o limite dado pelo Plano Diretor e pelo novo zoneamento é de oito andares]?
Heloisa Proença – Flexibilizar gabarito não é adensar mais. O volume de metros quadrados que podem ser construídos em um terreno será mantido. Para o preço final ao consumidor, sai mais caro três prédios médios, com mais fundações, mais elevadores, mais térreos, que apenas um maior. Mas, com a limitação de metros quadrados que você pode construir, não passaremos muito dos 20 andares. Em vias com menos de 12 metros de largura, você não pode verticalizar acima de 28 metros. Não é um liberou geral.

Mas isso não abre a possibilidade de voltarmos a construir bairros-paliteiro, com espigões fininhos no meio do lote, com diversos recuos? Ou condomínios de muros altos e amuralhados, que mataram parte da vitalidade do Baixo Augusta e da Barra Funda?
O formato do prédio pode ser esguio e alto ou baixinho e volumoso. As mudanças que estimulam o térreo aberto, a fachada ativa, com café ou lojas no térreo, a relação com a calçada continuam.
Permitir gabaritos maiores estará vinculado a elementos qualificadores, limitando o fechamento por muros totalmente vedados, para permitir uma maior permeabilidade visual, com gradis ou vidro.

Moradores de bairros caros, como a Vila Madalena, acham que as mudanças vão liberar mais adensamento…
Tem que ter oferta para todas as tribos. Se você quiser morar em casa com quintal em áreas centrais da cidade, vai ter que pagar por isso. 87% da cidade tem um gabarito único pelas novas normas, seja Itaim Bibi ou Itaim Paulista. Na zona leste, por exemplo, aumentar o gabarito pode viabilizar edifícios comerciais, que criam empregos. Tem gente que fica defendendo bairros bucólicos, de maior renda. Como se trata de uma população com acesso à mídia, acabam provocando mais barulho. Certos bairros não podem ditar padrão para o resto da cidade. Não pode ser camisa de força.

O adensamento é malvisto?
No momento oportuno, teremos que enfrentar essa discussão corajosamente. A classe média alta gosta de casas e prédios baixos, o que vai empurrando quem não pode pagar por isso para mais longe. Temos que discutir um modelo mais justo. A mancha urbana vai se espalhar ainda mais se não pudermos adensar as regiões da cidade já urbanizadas. 65% da cidade não está conforme com as regras. Se não deixa construir, São Paulo vai continuar a se espalhar, à nossa revelia. Em 87% da cidade, o máximo de metros quadrados que podem ser construídos agora é de duas vezes o tamanho do terreno. Nos eixos de transporte, 12% da cidade, o máximo é quatro. Em corredores de tráfego que passam por zonas residenciais, o limite do gabarito é de apenas dez metros de altura [dois andares e térreo].

O que a sra. acha do último Plano Diretor?
Ele incorpora várias conquistas do novo urbanismo. Traz incentivo ao uso misto nos bairros, criando a vantagem de ter tudo perto de casa, não depender demais do automóvel. Todos defendem o transporte em massa como solução para os nossos problemas, mas ainda não é compatível com uma rede de apenas 90 km de metrô. Precisamos fazer algumas pequenas revisões do zoneamento, que é a lei de uso e ocupação do solo. As grandes orientações do Plano Diretor serão mantidas.

Empresários dizem que os licenciamentos estão mais morosos ainda que na gestão Haddad. Foi um erro da gestão Doria ter fundido essa área com Urbanismo?
Está moroso mesmo, temos 15 mil processos aqui para avaliar. A própria lei é nova, há muitas dúvidas. Ela é genérica e, às vezes, o entendimento é variável. Nossas leis são como um pavê, há muita sobreposição, milhões de comissões. O processo vai para a CET, se for polo gerador de trânsito. Se corta árvore, para o Meio Ambiente. E por aí vai. Às vezes, o incorporador não entrega a documentação completa. Mas há um esforço para limpar o excesso de regulamentos e requisitos.
 

A legislação é excessiva demais?
É muito detalhista. As leis deveriam falar dos usos, do impacto urbano em cada região. Não quantos degraus ou quantas vagas de garagem um prédio precisa. O poder público não deveria entrar no produto. Tem gente que acha que 'bastante lei, traz resultado melhor', mas nem sempre é o caso. Os processos demoram tanto que, quando sai a aprovação, o incorporador já perdeu o investimento, a conjuntura do mercado mudou, e aí todos partem para o feijão com arroz, uma produção mediocrizada.

Desde 2004, a prefeitura cobra ágio [outorga onerosa de potencial construtivo adicional] para quem constrói na cidade. Hoje, se você constrói acima do total de metros quadrados do tamanho do terreno, já paga esse ágio. Isso aumenta a arrecadação, mas encarece ainda mais o valor do metro quadrado.
A gestão passada defendia a majoração da outorga para se aumentar a arrecadação. Mas teve um efeito contrário. Em 2011, a arrecadação com a outorga foi de R$ 339 milhões [R$ 485 milhões em 2017]. Neste ano, na melhor das hipóteses, vai chegar a R$ 150 milhões.

Não é culpa da crise?
Tem o impacto do cenário macroeconômico, mas também o mercado não está conseguindo viabilizar novos empreendimentos. Antes do Plano Diretor de 2014, a outorga representava 38% do valor do metro quadrado. Depois dele, passou para 93%. Estamos propondo um desconto temporário para aumentar a arrecadação, cobrando menos por unidade. Se a Câmara aprovar, o desconto será de 50% nas áreas com menor potencial construtivo [duas vezes o tamanho do terreno], e de 25% onde pode se adensar mais [até quatro vezes].

Por quanto tempo seria dado esse desconto?
De dois a três anos, até o setor imobiliário sair da crise.

O projeto apresentado por Jaime Lerner a Doria vai ser realizado?
Não é um projeto com plantas, obras definidas, nem um perímetro desenhado. Tem grandes diretrizes. Temos que saber quem paga. Muita coisa teria que ser aprovada na Câmara. Lerner sugere maior adensamento nos eixos com transporte público, permitindo a construção de seis a oito vezes a área do lote. Ele também fala de um transporte leve. Será VLT ou bonde? Chinês ou espanhol? Quem financiaria? O projeto está aqui na secretaria. É hora de descer à Terra, ver o que é factível.

Depois de diversas promessas para o centro, ainda é caro e lento adaptar prédios antigos. O que pode mudar?
Acabamos de fazer uma pesquisa entre os proprietários de imóveis sem uso que foram notificados por não respeitarem a função social da propriedade. Apenas 1% atribuem à crise econômica e 9,5% a inventário, massa falida. 52% culparam a impossibilidade de adequar os imóveis às normas edilícias ou de uso de solo.Vamos lançar uma série de incentivos para retrofit [reformas e adaptações em imóveis antigos]. Não dá para tratar como se fosse obra nova. Nem sempre vão atender a largura da calçada, cota ambiental ou vagas mínimas de garagem, porque são de outra época. Desde que mantida a volumetria, pode-se acrescentar andar no interior ou mudar a repartição interna. Não podemos desperdiçar um parque imobiliário assim. Mediante o pagamento de outorga onerosa, dá para dispensar algumas exigências.

Em todo o início de mandato os prefeitos paulistanos engavetam grandes projetos da gestão anterior. Por que o Arco do Tietê e o do Tamanduateí foram deixados de lado?
O projeto do Arco do Tamanduateí continua na Câmara. O do Tietê foi retirado da Câmara, vai ser reexaminado. Ele cobre uma área grande demais, maior que Manhattan. É prerrogativa do Executivo reavaliar e reencaminhar depois para o Legislativo, como prevê o Plano Diretor. O mercado hoje não teria fôlego.

Mas a sua gestão acabou de apresentar a Operação Arco Jurubatuba, que expande a cidade para onde falta transporte público.
É o que o Plano Diretor estipulou. Aquela região já está se desenvolvendo, próxima aos mananciais. Se não tiver diretrizes, cresce do mesmo jeito.

—————————–

RAIO-X

NOME Heloisa Salles Penteado Proença

FORMAÇÃO Arquiteta e urbanista formada pela FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP

CARGOS PÚBLICOS
Secretária de Planejamento (1999-2000, na gestão Celso Pitta)
Presidente da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) (2005, na gestão José Serra)

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

Compartilhe este artigo