População de rua dobra desde 2000 e se espalha pela cidade de São Paulo

Dados oficiais indicam que 15.905 pessoas pernoitam na rua ou em albergues da capital – mais do que os habitantes de 61% das cidades; gestão Doria estima salto de até 57% em 2 anos. Especialista liga fato à crise e à ampliação da assistência social

Felipe Resk, O Estado de S.Paulo

Perto da hora do almoço, um senhor vasculha uma lixeira na Avenida Paulista e encontra um copo da lanchonete fast food KFC ainda com resto de refrigerante. É a primeira refeição do dia. Em Santo Amaro, na zona sul paulistana, uma mulher recolhe o colchão em que dormia sob um viaduto e sai apressada: está atrasada para a Igreja. Papelões, carroças e barracos forram calçadas de todas as regiões de São Paulo, cada dia mais. Comprovado por números, o aumento de moradores de rua na cidade, em especial fora do centro, está estampado em praças, jardins, esquinas, marquises e pontes.

Dados oficiais indicam que 15.905 pessoas pernoitam na rua ou em albergues da capital – uma população superior à de 61% das cidades no Brasil, de acordo com último censo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), de 2015. Para chegar até aí, a população de rua cresceu em ritmo acelerado, de 4,1% ao ano, enquanto a taxa da cidade foi de 0,7%. Em 2000, início da série histórica, eram 8.706 moradores de rua.

Hoje, com o agravamento da crise econômica, a situação tende a ser mais alarmante. Tanto que, mesmo sem um levantamento mais recente, a gestão João Doria (PSDB) estima que a população de rua tenha atingido um patamar entre 20 mil e 25 mil pessoas – um salto de até 57% em menos de dois anos, chegando a quase o triplo de 2000.

“A população de rua cresce no mundo inteiro, exceto na Finlândia”, afirma a economista Silvia Schor, que coordena o censo. “É claro que a crise tem impacto, mas não há uma relação tão direta assim”, diz. “Nos Estados Unidos, por exemplo, o boom foi na administração Bill Clinton (1993-2001), época de prosperidade econômica.”

Para ela, um dos motivos do “espalhamento” de moradores de rua é a ampliação da rede de assistência, principalmente de albergues. Outros pesquisadores apontam que a maior circulação de pessoas, de comércios e até a qualidade do lixo também são fatores atrativos.

Espalhamento

Com conflitos familiares, Luiz Ricardo de Aguiar, de 30 anos, resolveu sair da casa onde morava, em Itapevi, na Grande São Paulo. Sem emprego, só encontrou moradia na calçada. Há cinco meses, ergueu um barraco perto da Avenida Sumaré, em Perdizes, bairro nobre da zona oeste. “Os vizinhos ajudam bastante. Aqui, a gente consegue ter estabilidade de vida”, justifica a escolha.

Aguiar chegou a trabalhar em logística e até de pedreiro. Hoje, vive de material reciclável e de doações. Ele sabe que o mercado não está fácil. Ainda mais para quem tem um “x” nas costas. “Fui preso por um assalto”, conta, embora negue participação no crime. “Depois disso, até passo pelas entrevistas, mas sempre falam que deu problema na documentação.

O censo da Fipe mostra que bairros fora do centro têm sido, cada vez mais, a opção. Até 2015, mais da metade das pessoas que não tinham casa para morar vivia nas regiões da Sé, Pari e Brás. Na última pesquisa, foi a primeira vez que esse índice caiu para 49,8% do total.

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
 

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