População da Grande SP aumenta consumo de água em plena crise

Por Fabrício Lobel

A população da Grande SP afrouxou a economia de água, diante da maior crise de abastecimento e da possibilidade de um rodízio severo em 2016.

O relaxamento ocorreu em agosto, quando aumentou o número de pessoas que ficaram de fora do programa que oferece desconto na conta aos que reduzirem o consumo.

Segundo a Sabesp, empresa de água do governo Geraldo Alckmin (PSDB), 80% da população reduziu o consumo em agosto, contra 83% no mês anterior. Esse é o pior desempenho do programa de bônus desde fevereiro de 2015.

A adesão da população ao programa de bônus é uma das condições dadas pelo presidente da Sabesp, Jerson Kelman, para que SP não decrete um rodízio (corte do fornecimento de água) em 2015.

A principal condição, porém, é a inauguração nas próximas semanas da tubulação que levará água do sistema rio Grande (cheio) para o Alto Tietê (em situação crítica). A obra, antes prometida para maio, está mais de 90% concluída, segundo o governo.

Com a interligação, represas do Alto Tietê (extremo leste da Grande SP) terão condições de liberar água também a moradores atendidos pelo Cantareira, o maior manancial e perto de um colapso.

Apesar de descartar um rodízio neste momento, o governo Alckmin submete há um ano e meio milhares de moradores da Grande SP a um sistema de racionamento (entrega controlada de água) –moradores, principalmente da periferia, passam até 20 horas por dia com as torneiras secas.

Clima quente

O governo atribui a queda na adesão ao bônus às altas temperaturas em agosto.

Segundo a Sabesp, mesmo em queda, o programa foi responsável pela economia de 6.300 litros de água por segundo, volume suficiente para abastecer 2 milhões de pessoas, o correspondente à soma das populações de Campinas, Sorocaba e Santos.

Dos 80% que reduziram o gasto de água em agosto, 69% ganharam o bônus, enquanto 11% diminuíram o consumo, mas não o suficiente para receber o desconto na fatura –o programa foi criado em fevereiro de 2014.

Como consequência à baixa adesão, a Sabesp registrou alta no índice de clientes que ampliaram o consumo: 20%. Entre eles, estão os 12% dos clientes que receberam a sobretaxa –idealizada no início de 2014, mas só lançada após a reeleição de Alckmin.

A sobretaxa é de 40% sobre o valor da tarifa de água (sem contar a tarifa de esgoto) para quem excede até 20% a média do consumo ou 100% sobre o valor da tarifa para quem ultrapassa 20% da média.

Outro lado 

A Sabesp responsabiliza o calor "excessivo", em um mês de inverno, pelo aumento do consumo de água pela população em agosto. Os próximos meses, na prática, tendem a ser ainda mais quentes.

Segundo dados da empresa, diminuiu o número de pessoas que economizaram água e cresceu o número de pessoas que aumentaram o consumo.

Além disso, a economia gerada pelo bônus caiu de 6,5 mil litros por segundo para 6,3 mil litros por segundo.

O discurso da Sabesp sobre o efeito da alta das temperaturas no consumo da população está alinhado com uma declaração do governador Geraldo Alckmin (PSDB) nos últimos dias de agosto.

O tucano disse que o governo não estava contando com calor em agosto –quando a média das temperaturas máximas ficou em 26°C, contra 23°C do patamar histórico.

"Com o calor, aumenta o consumo. No inverno não chove, é seco, mas geralmente faz frio", afirmou Alckmin.

Para especialistas, o governo deveria estar preparado para variações no consumo.

"Com certeza, a alta temperatura incentivou o consumo. Mas não dá para tratar o calor como uma novidade", disse a urbanista Marussia Whately, da ONG Aliança pela Água.

"Conforme as temperaturas subiam, teriam que ser intensificadas as campanhas de comunicação para que as pessoas entendam que permanecemos na crise. Mas isso não aconteceu", argumenta ela.

Para o hidrólogo Antônio Carlos Zuffo, o assunto saiu da pauta das conversas e do noticiário. "As pessoas acabam relaxando. Diante da gravidade da crise, teria que ter uma mobilização muito maior por parte do governo [com campanhas educativas]".

Eles ainda criticam a falta de programas que pudessem reduzir o consumo de água –como a individualização de hidrômetros em prédios e o financiamento de equipamentos que economizam água.

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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