Para cumprir promessa, Doria terá que abrir mil creches em um ano

Para cumprir a promessa de campanha de zerar a fila das creches em 2017, o prefeito eleito João Doria (PSDB) terá que implantar o equivalente a mil unidades em um ano, feito nunca alcançado por nenhum de seus antecessores.

Hoje, 133 mil crianças de até três anos esperam uma vaga na rede paulistana. Para incluir todas em 2017, o futuro prefeito terá que abrir, em média, 2,6 creches por dia –incluindo finais de semana.

Esse cálculo é conservador, pois leva em conta a atual média de alunos por unidade (138). Como Doria já disse que quer espaços com menos da metade desse total, o número pode mais do que dobrar.

O tucano afirma que cumprirá a promessa sem construir nenhum novo imóvel: irá ampliar os convênios com organizações sociais e fazer parcerias com empresas. Promete ainda complementar o orçamento da secretaria de Educação com R$ 300 milhões. Com isso, diz, a meta de zerar o deficit "é factível e possível de ser cumprida".

Hoje, as creches em imóvel da prefeitura já são minoria na capital paulista–18%. As demais são geridas por entidades terceirizadas. A ampliação via convênios foi adotada pelas gestões Marta Suplicy (PMDB, ex-PT), José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), tanto por questões financeiras como pela dificuldade de encontrar terrenos. Da mesma forma que Doria, os dois prefeitos eleitos antes dele também tentaram parcerias com o setor privado.

Kassab lançou uma Parceria Público-Privada para 500 unidades, mas não conseguiu levar a ideia adiante. No início do ano passado, Haddad fez um evento para convocar a iniciativa privada. "Se o empresário e o poder público somarem, tudo fica mais fácil para os dois lados", disse. A prefeitura chegou a anunciar parcerias com o Carrefour e a Uninove, mas nenhuma doação saiu do papel.

Em nota, a rede de supermercados disse que mantém contato com a administração "e reafirma seu interesse em apoiar a viabilização do projeto". A Uninove também afirmou que segue à disposição. A gestão Haddad deve terminar com pouco mais de 100 mil vagas criadas na educação infantil, estima a secretária de Educação Nádia Campeão. Ela diz que o aperto financeiro prejudicou o desempenho. A meta era 150 mil.

Via judicial

Após decisão da Justiça que obrigou o prefeito a cumprir a promessa, um grupo de acompanhamento foi instituído. O advogado Rubens Naves, um de seus integrantes, pretende fazer o mesmo na gestão Doria. "Ele tem a oportunidade de acabar com essa fila e nós vamos acompanhar", diz.

É a mesma disposição dos eleitores. "Votei nele, agora é esperar que cumpra as promessas", diz Ruth Coutinho, 29, que espera vaga para o filho há mais de um ano.

Ao lado da viabilidade do plano de incluir mais de 100 mil crianças em um ano, outra preocupação de especialistas é a qualidade das novas creches. Segundo Doria, supermercados e terminais de ônibus são alguns dos locais que poderão recebê-las. "Parece-me que o que está sendo proposto são medidas improvisadas de assistência social, não de educação", diz a professora da USP Sandra Zakia. "Não podemos fazer depósitos de crianças."

Integrante do Fórum Municipal de Educação Infantil, a professora Marta Lúcia da Silva também questiona o modelo. "Será que o barulho, a poluição e a movimentação de pessoas tornam esses lugares os mais adequados? Bebês precisam de locais tranquilos para o sono."

O espaço físico de parte das creches conveniadas atualmente é alvo de críticas de educadores, pois algumas foram criadas em casas adaptadas para receber as crianças. Mas não é o caso de todas. A reportagem visitou unidade no Rio Pequeno (zona oeste) administrada pela Liga Solidária em uma antiga fazenda. Ali, as crianças têm cinco refeições por dia e diversas atividades ao ar livre. Cada professora cuida de, no máximo, 12 crianças.

Ampliar esse modelo, porém, é um desafio. Só com o dinheiro repassado pela prefeitura não seria possível custear o atendimento, diz a coordenadora Neide Cavalcante. Segundo ela, 60% do gasto é coberto com doações.

Área livre é fundamental, diz Jucilene Pereira, que coordena uma creche pública premiada em Guaianases (zona leste). "A criança constrói muito da sua inteligência ao desenvolver o corpo e explorar espaços", diz.

A unidade é gerida pela prefeitura, mas faz parcerias com a comunidade. Elas vão desde a manufatura de instrumentos musicais a transporte para cinema, parque e teatro.

O problema crônico de falta de creches em Paraisópolis deu origem a um novo ofício na favela da zona sul de São Paulo: cuidar de criança.

Claudia Silverio, 44, toma conta de 15 por causa da crise, diz, pois há alguns meses eram 22 em sua casa de quatro cômodos, situada em uma ladeira, a mais de 200 passos do nível da rua.

Para deixar os filhos ali, as mães pagam de R$ 50 a R$ 200 por mês, a depender da situação financeira. A clientela em potencial é vasta: no distrito de Vila Andrade, onde fica Paraisópolis, há 2.228 crianças na fila da creche. O total de matriculadas é menos da metade 1.041.

Claudia começou no ramo há dois anos. Tinha uma mãe que precisava trabalhar e pediu para ficar com a nenê. Aí foi vindo mais, conta. Sua jornada começa às 4h30, quando chegam as primeiras crianças, e acaba as 20h, quando saem as últimas.

Para ajudá-la, paga a filha de de 17 anos e outra adolescente, de 15, que está fora da escola e trabalha ali em tempo integral. No fim do mês, tirando as despesas, Claudia consegue ficar com R$ 1.200.

Leonisa Lima, 44, é outra que pegou criancinha para cuidar, como diz. Olha três, das 8h às 17h, e dá a elas banho e almoço. A atividade é adotada também por outras mães na fila da creche. Ruth Coutinho, 29, é uma. Por R$ 200, cuida da filha da irmã. A sua, de 1 ano e 7 meses, foi inscrita em um centro municipal quando tinha 3 meses, mas ainda não foi chamada.

Roseli Alves, 37, conta que espera há mais tempo. Fez a inscrição quando Sara tinha seis meses. Hoje, a garota está com 2 anos e 7 meses.

Nesse período, Roseli acompanhou a posição da menina. Ela chegou a ficar no 90º lugar, mas depois caiu para o 281º, diz. Motivo: crianças cujas famílias entraram na Justiça por uma vaga passaram na frente. A própria creche orientou Roseli a procurar a Defensoria Pública para fazer o mesmo. Ela espera a ação para conseguir trabalhar.

Vilma do Carmo, 41, tem o mesmo anseio. Hoje, o sustento dela e de Samuel, 1 ano e 9 meses, depende do salário da filha de 19 anos, funcionária de um supermercado, e de R$ 160 da renda do programa Bolsa Família. Eu queria trabalhar, mas hoje em dia ninguém cuida de criança de graça, diz. 

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo Clique aqui e veja o infográfico.

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