Mesmo ‘sem crise’, Sabesp deve cortar pela metade investimentos em esgoto

FABRÍCIO LOBEL – FOLHA DE S. PAULO

Mesmo após o governador Geraldo Alckmin (PSDB) ter "decretado" o fim da crise hídrica, a Sabesp, empresa paulista de saneamento, anunciou nesta terça-feira (29) que pretende cortar pela metade os investimentos em esgoto no Estado de São Paulo.

A informação foi dada pela empresa em teleconferência a investidores e jornalistas nesta terça-feira (29). Segundo a Sabesp, mesmo com a melhora dos níveis das represas na Grande São Paulo, ainda há necessidade de investir na segurança do setor de abastecimento de água. Ainda hoje, é possível encontra relatos de cortes diários de água na Grande São Paulo.

Tradicionalmente, o investimento da empresa sempre foi superior no setor de esgoto, área em que as obras são mais caras e também onde há maior defasagem no saneamento. Mas durante a crise hídrica, diante da necessidade de garantir o abastecimento de água para a Grande São Paulo, esse equilíbrio se inverteu.

Para se ter uma ideia em 2013, ano anterior à crise, dos R$ 2,7 bilhões investidos pela empresa, 60% eram destinado à área de esgoto. Esse índice se manteve em 2014 já que muitos investimentos já haviam sido garantidos no ano anterior.

Mas em abril de 2015, a Sabesp anunciou uma forte redução de investimentos em esgoto em todo o Estado. Naquele ano, o investimento em esgoto somou R$ 1,3 bilhão, o que representou queda de 37% em relação aos investimentos totais da empresa e cerca de 32% frente ao nível de investimento em 2014.

Em 2016, a Sabesp pretende investir R$ 630 milhões no setor, apenas 33% do investido em 2014.

O investimento em água também deverá cair de R$ 2,2 bilhões para cerca de R$ 1,2 bilhões. Mas o setor deverá representar 65% dos investimentos da Sabesp.

A inversão na balança entre água esgoto só deverá ocorrer a partir de 2017, quando a empresa pretende alocar 52% de seus recursos em esgotamento.

Entre as maiores defasagens no saneamento no Estado estão o aumento da rede de esgoto na região do ABC e do Alto Tietê, na porção leste da Grande São Paulo e a despoluição do rio Tietê. No Estado, outros gargalos estão no avanço da rede de esgoto no vale do Ribeira e o tratamento de esgoto no litoral norte.

FIM DO BÔNUS

Na conferência com investidores e jornalistas, executivos da Sabesp explicaram o fim dos programas de bônus e sobretaxa na Grande São Paulo. Para a empresa, a recuperação dos níveis das represas justificam a decisão dos dois programas. O fim da sobretaxa depende ainda de aprovação da agência reguladora estatal.

O anúncio do fim do programa de incentivo à redução de consumo de água veio dois meses após o acirramento das regras de concessão do bônus para quem economizasse. O programa de bônus foi um dos fatores que derrubou a arrecadação da Sabesp ao longo da crise hídrica.

A mudança foi tão drástica que em fevereiro apenas 44% da população conseguiu o desconto na conta. Dois meses antes, esse índice era de 64%. Até mesmo a sede do governo do Estado, o Palácio dos Bandeirantes, passou a ganhar bônus menores desde a mudança das regras.

Com essa queda, o volume de dinheiro que a Sabesp passou a dar de desconto em suas contas caiu de R$ 81 milhões em dezembro de 2015 para R$ 36 milhões em fevereiro deste ano.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

A crise da água acabou, como disse o governador?
Se comparada a do ano passado, sim, a situação está bem melhor. Mas moradores da periferia ainda sofrem com os cortes no fornecimento de água, principalmente nos períodos da noite e da madrugada. No auge da crise, o racionamento deixava algumas residências de 15 horas a 20 horas por dia com as torneiras secas. Agora a queixa é mais restrita.

Qual foi o ponto mais crítico da seca?
No fim de janeiro de 2015, o sistema Cantareira, principal reservatório da Grande São Paulo, operava com apenas 5% de sua capacidade. Isso já contando com duas porções de seu volume morto, que é a água do fundo das represas que nunca havia sido captada antes. Naquele mês, já se falava em buscar a terceira e até a quarta porções do volume morto do sistema de represas.

Meses antes, o diretor Metropolitano da empresa havia dito em uma reunião fechada que, se a chuva não chegasse, ele não saberia como fornecer água a São Paulo. Chegou a cogitar a hipótese de evacuar parte da cidade.

O então recém-empossado presidente da empresa, Jerson Kelman, dizia que aumentaria o período em que a periferia de São Paulo ficava sem águas em suas torneiras. Tudo para que a cidade pudesse atravessar o que ele chamava de "deserto em 2015", já que o ano apontava ser pior do que o anterior.

A empresa começou a traçar um plano para atuar diante do colapso do fornecimento da água em São Paulo. Nessa situação, só seria capaz de entregar água para alguns hospitais, clínicas de hemodiálise e presídios.

O que fez a situação da água melhorar?
Um conjunto de fatores. Por parte do governo, houve uma maior integração das tubulações que permitiram flexibilizar a entrega de água dentro da Grande São Paulo. Com isso, passou a ser possível, por exemplo, levar água da cheia Guarapiranga para bairros que tradicionalmente eram atendidos pelo sistema Cantareira, que esteve à beira de um colapso. Por parte da população, houve uma forte redução do consumo de água. No ponto mais crítico da estiagem, cerca de 90% da população reduziu seu consumo, muitas vezes incentivadas pelos programas de bônus e pela sobretaxa.

Outro fator determinante foi a volta do regime de chuvas, conforme o esperado. São Paulo passou dois anos com volumes de chuva extremamente baixos, em que o volume de água que entrou no Cantareira, por exemplo, foi 80% menor do que o previsto. Nos últimos seis meses, o Cantareira recebeu chuvas perto da média.

Alckmin merece novos prêmios pela gestão da crise?
A população e especialistas dizem que não. Durante o auge da crise faltou transparência ao governo do PSDB. Alckmin sempre minimizou a gravidade da crise e nunca admitiu que a Grande SP esteve sob um forte "racionamento" –preferia o eufemismo da "redução da pressão" nas tubulações, o que, na prática, é a mesma coisa. Durante a campanha eleitoral de 2014, quando era candidato à reeleição, adiou a implantação da sobretaxa na conta dos "gastões" de água. Em um debate eleitoral na televisão, chegou a dizer que não faltava água em São Paulo, contrariando a experiência diária de milhares de pessoas, principalmente na periferia da região metropolitana. 

Pesquisa Datafolha, em outubro, mostrou que apenas 15% dos paulistanos consideravam a gestão tucana da água como ótima e boa.

Estamos preparados para uma nova seca?
Caso a próxima seca seja tão rigorosa quanto a última, a população de São Paulo deverá sofrer novamente. Mas segundo a Sabesp e o governo do Estado, as condições de operação e de distribuição da água na cidade estão melhores do que antes da crise.

De qualquer forma, caso ocorra uma seca ainda mais rigorosa, São Paulo poderá ter mais problemas já que questões estruturais ainda não foram enfrentadas como um programa de individualização de hidrômetros em condomínios, incentivo à água de reuso etc.

Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.
 

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