Irritado com críticas, Doria usa rede social para prestar conta de doações

ARTUR RODRIGUES E MARIANA ZYLBERKAN – FOLHA DE S. PAULO

Irritado com críticas sobre falta de transparência na gestão municipal, o prefeito João Doria (PSDB) escolheu uma rede social, e não o site oficial da administração, para prestar conta das doações de empresas para a cidade.

Em quase quatro meses de mandato, mais de cem empresas já doaram itens que vão de móveis para o gabinete do prefeito a medicamentos para os postos de saúde.
 

Post de Doria em rede social para divulgar dados de doações

A lista com quase 200 doações divulgada pelo prefeito em sua conta no Facebook apresenta uma série de imprecisões, como doadores não especificados e estimativas aparentemente vagas. Por exemplo, todos os 22 móveis (sofás, cadeiras, escrivaninha, estante) doados por uma empresa foram estimados no mesmo valor: R$ 2.000 cada um.

Do total de R$ 285,6 milhões em doações apresentado nesta segunda (17), mais de R$ 150 milhões não citam as empresas. Referem-se aos doadores apenas como "indústria farmacêutica", "empresas asfaltadoras" ou "empresas de tecnologia".

Marina Atoji, do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, diz que Doria também agiu contra a Lei de Acesso à Informação. A legislação diz que é obrigatória a divulgação em sites oficiais e em "formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações".

Além de usar canal não oficial, Doria divulgou as tabelas em arquivos fotográficos de baixa qualidade. "Ficou mais para o marketing que para transparência", diz Atoji. Questionada, a assessoria de Doria afirmou que o material também foi publicado no site Dados Abertos, canal oficial da prefeitura –isso só foi feito horas depois da publicação do tucano em sua página.

Desde que assumiu o cargo, o prefeito tem adotado uma política agressiva de pedir doações de materiais e serviços ao setor privado.

Doria diz não ter ouvido nenhum "não" de empresários até agora. Mas, para a população, essa política ainda precisa ser melhor explicada. Segundo recente pesquisa Datafolha, ela é vista como pouco transparente (31%) ou nada transparente (45%) pela maioria dos moradores da cidade.

As doações também têm sido aproveitadas pelas empresas por causa da publicidade gratuita, já que todas têm seus nomes divulgados nos canais oficiais da gestão e nas redes sociais do prefeito.

"Me antecipo aqui [na divulgação] porque parece que algumas pessoas são um pouco ansiosas e não perdem a chance de, em vez de se informar, criticar", escreveu o prefeito no Facebook, sem especificar a quem se dirigia.

No mesmo dia, a coluna "Mônica Bergamo", da Folha, informou que a gestão publicou no portal da transparência dados sobre menos de 5% das doações que Doria diz já ter recebido desde janeiro. A Folha apurou que o prefeito se irritou com essa nota e resolveu publicar material que ainda estava em fase de consolidação por sua equipe na administração municipal.

Quem atualiza as redes sociais do tucano é uma equipe de funcionários paga por ele, mas com acesso total às dependências da prefeitura. A maioria das doações declaradas é de medicamentos e serviços de zeladoria.

O cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV, também critica a iniciativa de divulgação dos dados na página pessoal e diz que ele deveria apresentar os dados que embasaram os números. "Ele se coloca mais uma vez no centro das atenções e se posiciona como indivíduo acima da gestão pública", afirma.

PREFEITURA

Oito horas após o prefeito João Doria (PSDB) publicar os dados atualizados de doações em suas redes sociais, a prefeitura divulgou a mesma tabela (desta vez em formato de planilha de pesquisa) no site Dados Abertos, canal oficial da prefeitura.

"Na planilha, estão os processos já formalizados e publicados no 'Diário Oficial' e portal da transparência, como determina a lei, além daqueles que ainda estão sendo formalizados", diz a assessoria de Doria. A nota ainda afirma ser "importante lembrar que todos os processos serão formalizados de acordo com a legislação".

A prefeitura diz que, nos casos em que as empresas não estão citadas nominalmente, isso ocorre porque há vários doadores ou porque a proposição ainda não foi finalizada. A respeito dos valores estimados, segundo a gestão, eles foram feitos com base em pesquisas de mercado.

O texto não respondeu outros questionamentos feitos pela Folha sobre o motivo de Doria ter usado seu canal pessoal para fazer a publicação dos dados dessas doações.

Segundo levantamento da reportagem, a maioria das doações é composta por medicamentos (R$ 119 milhões), seguidos por serviços de zeladoria (R$ 46 milhões). Outro valor significativo é a doação de softwares, de R$ 26 milhões.

A empresa com maior doação individual declarada é a Qatar Airways, com R$ 20 milhões para conservação de pontes e áreas verdes. Como parte importante das doações, ainda não foi formalizada no "Diário Oficial".

Em sua rede social, Doria afirmou que graças "ao apoio da iniciativa privada estamos viabilizando uma série de melhorias para São Paulo e para o bem estar das pessoas". Em recente entrevista à Folha, Doria disse que "as pessoas não estão acostumadas" às doações e por isso questionam sua transparência

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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