Estudo mostra ‘reconfiguração’ da desigualdade na metrópole paulistana

Por Vanessa Jurgenfeld

A periferia de São Paulo se tornou mais heterogênea, enquanto as áreas de elite concentram cada vez mais ricos. Composto por 39 municípios, a metrópole paulistana viveu nos últimos anos uma ‘reconfiguração’ da sua desigualdade. Esta é uma das principais conclusões de uma extensa pesquisa que será lançada em livro este mês pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), que tem como principal tema uma radiografia da metrópole entre os anos 1990 e 2010. 

Eduardo Marques, professor da USP, organizador da pesquisa, diz que, a partir de comparações dos censos do IBGE de 1991, 2000 e 2010, foi possível perceber que algumas mudanças espaciais vêm ocorrendo por três razões principais: o Estado se fez mais presente na periferia a partir da infraestrutura; o mercado imobiliário passou a ofertar imóveis para a classe de renda média nas áreas periféricas da cidade; e houve a proliferação de condomínios fechados também nas áreas periféricas, envolvendo ofertas para classe média. 

O aumento da heterogeneidade das periferias é considerado bom por Marques, que lembra que isso tem a ver com a discussão sobre a ascensão da nova classe média observada em trabalhos que indicam que mais indivíduos passaram a fazer parte de uma nova classe média nos anos 2000 no Brasil. Segundo ele, essa maior heterogeneidade é importante porque “as cidades mais misturadas são as que têm uma vida urbana com civilidade maior, vida social mais intensa, mais troca entre grupos, com menos desigualdade social, porque oportunidades circulam mais entre os grupos”, afirmou. 

O fato de os ricos ficarem cada vez mais espacialmente concentrados é visto como algo negativo e indica que, apesar de algumas mudanças, a desigualdade na metrópole paulistana continua muito alta. “A desigualdade de renda e de condições de vida diminuiu, temos que admitir isso, mas isso não quer dizer que a cidade ficou justa”, ponderou Marques. 

Ao colocar os dados em mapas, o estudo mostra que, apesar de algumas transformações, São Paulo é ainda bastante segregada socialmente. As classes altas não se misturam com as demais, ainda que seja vista uma maior mistura entre classes médias e inferiores, que tendem a coabitar mais frequentemente as mesmas áreas. Segundo Marques, o padrão existente na metrópole paulistana poderia ser chamado de “evitação social por parte das classes superiores”. 

Na análise sobre as “condições de vida” na metrópole, que se baseia em informações do Censo sobre acesso à infraestrutura (como água e esgoto) e condições habitacionais (densidade domiciliar, existência de banheiro etc), também houve melhorias, segundo o estudo do CEM. Ainda que seja constatada a inexistência de parte de serviços públicos para a maioria da população que mora na periferia, há uma redução dessa desigualdade, exceto no esgoto. “O serviço de esgoto continua sendo raro relativamente. E quem tem acesso a todos os serviços continuam sendo os grupos de alta renda”, disse. 

A reconfiguração da desigualdade, explica o pesquisador, também está relacionada a questões de âmbito nacional. Fatores como o crescimento da renda real e a maior inserção de pessoas no mercado de trabalho ­ algo considerado geral para todo o país nos últimos anos ­ reverberaram com maior intensidade em São Paulo. 

“São Paulo é um exemplo ampliado do que ocorre no país tanto em termos positivos quanto negativos. Nos anos 90, o ajuste (a abertura econômica e a reestruturação produtiva que se seguiu) produziu resultados socioeconômicos muito negativos sobre a formalização do emprego e sobre o nível de salários sobretudo em São Paulo”, afirmou Marques. 

O estudo também identificou que no mercado de trabalho há reduções na desigualdade de gênero. Isto é, as remunerações das mulheres estão mais próximas dos salários dos homens, ainda que ganhem em geral menos, e a desigualdade ainda é considerada alta pelos pesquisadores. As mulheres também estão hoje nas mais diversas ocupações do mercado de trabalho. O mesmo não ocorre em relação à raça. Os negros, além de ganhar menos, continuam majoritariamente concentrados nas ocupações menos qualificadas do mercado de trabalho, explicou Marques.

Intitulado “A metrópole de São Paulo no século XXI: Espaços, Heterogeneidades e Desigualdades”, o livro constatou ainda mudanças produtivas e econômicas dos anos 90 até 2010, com o avanço do setor de serviços. Mas, ao contrário de diversas análises, isso, no entanto, não é entendido como um “esvaziamento da indústria”. 

O estudo evita debater o termo “desindustrialização”, segundo Marques, por considerar difícil ter a certeza sobre a existência deste processo, pela questão da terceirização envolvida ­ o trabalhador pode ter migrado na tabela dos dados, mas o tipo de atividade que desempenha continua o mesmo. O estudo prefere considerar que a metrópole paulistana “experimentou uma superposição de funções econômicas”, concentrando capacidades de comando sem perder completamente a produção industrial.

Matéria originalmente publicada no jornal Valor Econômico

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