Como tornar os tribunais de contas mais transparentes e próximos ao cidadão

Presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) defende a criação de ouvidorias e o estabelecimento de prazos máximos para julgamentos dos processos.

Por Airton Goes, da Rede Nossa São Paulo

Em entrevista ao portal da Rede Nossa São Paulo, o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), conselheiro Valdecir Fernandes Pascoal, defende várias medidas destinadas a modernizar e a tornar mais transparentes estes órgãos de fiscalização interna da administração pública.

A criação de ouvidorias pelos tribunais que ainda não tenham – como o Tribunal de Contas do Município de São Paulo – e o estabelecimento de prazos máximos para julgamento de processos estão entre as medidas preconizadas por Pascoal, que também é presidente do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE).

Rede Nossa Sã Paulo – Em relação ao cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI), qual a sua avaliação sobre os tribunais de contas?

Valdecir Pascoal – A LAI veio para fortalecer o controle, a democracia e a República. O cidadão precisa ter amplo acesso aos atos de gestão, notadamente aqueles que digam respeito à aplicação dos recursos públicos. Os tribunais de contas estão cientes do seu papel, tanto para serem exemplos de transparência quanto para fiscalizarem o cumprimento da lei por parte dos gestores públicos.

Já existe algum tribunal de contas que disponibilize ativamente na internet os relatórios técnicos de auditorias após a primeira manifestação dos auditados?

No diagnóstico realizado em 28 tribunais pelo Projeto Qualidade/Agilidade dos Tribunais de Contas, em 2013, a Atricon detectou que 50% deles já divulgam os relatórios técnicos antes do julgamento dos processos pelas instâncias decisórias. Existem argumentos jurídicos razoáveis para a divulgação antes ou depois do julgamento. No entanto, embora o tema continue na pauta dos nossos debates, a Associação vem recomendando aos tribunais que divulguem o teor dos relatórios após a apresentação da defesa. Essa posição de equilíbrio busca preservar o princípio da transparência e o direito à defesa e ao contraditório, mas deixando sempre claro que o juízo de valor consignado no relatório é preliminar.

Em sua avaliação, os principais trabalhos produzidos pelos tribunais de contas deveriam ser disponibilizados à população? Esse procedimento de transparência já é seguido por algum tribunal?

A rigor, os tribunais têm o dever de divulgar esses dados amplamente, por meio de TV, rádio, portais de transparência e do cidadão, jornal, revista e redes sociais. Esse procedimento, conforme indica o diagnóstico do citado Projeto Qualidade/Agilidade dos Tribunais de Contas, já é realidade na maioria deles. Mas sempre é possível melhorar e foi com esse objetivo que a Atricon criou a Rede de Comunicação dos TCs, integrada pelos chefes dos departamentos de comunicação social de todos os tribunais, com vistas a aperfeiçoar a comunicação com a sociedade.

O senhor é favorável à criação de ouvidorias nos tribunais de contas?

Sou um árduo defensor da criação de ouvidorias, cuja função primordial é servir ao cidadão, representando valioso instrumento de controle social e de transparência. Idêntico posicionamento é defendido pela Atricon, que inclusive estabeleceu como um dos indicadores do Projeto Qualidade/Agilidade não apenas a existência de ouvidorias nos tribunais, mas, sobretudo, a adoção de sistemática que viabilize a sua efetiva atuação, com a apresentação de respostas rápidas às demandas do cidadão. E o resultado do diagnóstico foi bastante positivo: 86% dos tribunais possuem ouvidorias.
O passo seguinte, a ser dado conjuntamente pela Atricon e pelo Colégio de Corregedores e Ouvidores dos Tribunais de Contas — CCOR, é o estabelecimento de diretrizes destinadas à definição de metas e indicadores de desempenho das ouvidorias.

É sabido que em alguns tribunais de contas o julgamento de determinados processos podem levar mais de 20 anos. O que o senhor pensa sobre a ideia de se estabelecer prazos máximos para o julgamento dos processos?

A morosidade no julgamento de processos é tema recorrente nas discussões que envolvem os tribunais em geral, não apenas os tribunais de contas. No âmbito da Atricon, essa questão tem ocupado posição de destaque nos debates atuais e está sendo enfrentada com muita determinação pelos membros de todos os tribunais de contas, sob a premissa de que, para se garantir efetividade à atuação do controle externo, todo processo deve durar um tempo razoável e socialmente aceitável.
É fundamental a definição e o cumprimento de prazos razoáveis para a apreciação e julgamento de contas de governo e de gestão. Nesses casos, defendo que o julgamento ocorra, em regra, até o final do exercício seguinte ao que se refere.
Da mesma forma, estão em pauta os prazos relacionados ao julgamento de denúncias, de representações, de recursos, entre outros. Paralelamente, também é preciso pensar na implementação de mecanismos voltados à eliminação do estoque e racionalização dos processos. Tudo isso, aliado a uma rigorosa sistemática de gerenciamento de prazos em todas as fases dos processos, com total transparência ao cidadão.

Em sua avaliação, os tribunais prestam contas à sociedade do trabalho que realizam?

Os tribunais de contas devem e prestam contas de suas atividades, não obstante sabermos que o exercício de prestar contas e de ser absolutamente transparente em seus atos sempre pode ser melhorado.

Como essa prestação de conta é realizada ou poderia ser feita?

Inicialmente, por obrigação constitucional, com a prestação de contas ao Poder Legislativo correspondente, para a emissão do parecer exigido pela LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal]. Depois, com a divulgação de informações nos portais da internet e a disponibilização do serviço de informação ao cidadão, conforme exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Acesso à Informação.
Essa prestação de contas ocorre também nas atividades e eventos destinados à promoção do controle social, oportunidade em que geralmente são apresentadas as funções do Tribunal de Contas, seus produtos e atividades, bem como todas as ferramentas, canais e informações disponibilizadas para o exercício do controle social.

Na cidade de São Paulo não existem as carreiras técnicas de procurador de contas e auditor substituto de conselheiro. Qual sua opinião, do ponto de vista jurídico, sobre a criação dessas carreiras, de modo a possibilitar que parte da composição do Conselho do Tribunal de Contas do Município seja técnica?

A presença dos auditores (ministros e conselheiros substitutos) e dos procuradores de contas do Ministério Público especial foram dois importantes avanços do modelo de composição dos conselhos previsto na Constituição de 1988. Com efeito, não encontro argumentos jurídicos razoáveis para justificar a omissão de um tribunal em criar a carreira do auditor e o Ministério Público de Contas. A Atricon defende como objetivo estratégico a efetividade do modelo de composição delineado pela Lei Maior. Não seguir rigorosamente as regras constitucionais é, com a devida vênia, postura que precisa urgentemente ser corrigida.

Como os tribunais podem contribuir para que o cidadão tenha maior conhecimento sobre as contas públicas e, com essas informações, possa exercer um maior controle social sobre o poder público?

Os tribunais de contas podem e devem acrescentar às suas atividades tradicionais de fiscalização outras ações efetivas, com vistas a fornecer à sociedade informações precisas e relevantes sobre a gestão dos recursos que são dos cidadãos. Um importante estímulo ao controle social é a ampla divulgação, antes das eleições, dos gestores que tiveram contas julgadas irregulares pelo tribunal. Além de poder gerar a inelegibilidade de alguns deles, por falha grave, o cidadão bem informado escolherá melhor os agentes políticos e isso implicará a melhoria da gestão e da nossa democracia.
Outra ação relevante é divulgar os resultados de auditorias operacionais e de indicadores de avaliação de políticas públicas, subsidiando a participação popular e influenciando a condução dos planos da administração para alcançar resultados destinados à melhoria da vida da comunidade.
Podemos acrescentar ainda o estabelecimento de vínculos sistêmicos com a sociedade civil organizada, estimulando-a e orientando-a para o exercício da cidadania e do controle social, a cobertura das sessões plenárias e a divulgação dos resultados dos julgamentos de processos por meio de notícias nos sites dos tribunais de contas.

Poderia citar outras experiências bem sucedidas de tribunais de contas, na área da transparência e maior proximidade com o cidadão?

A implementação de atividades que aproximem o tribunal de contas da população, destacando-se a promoção de diálogos com o cidadão e os representantes da sociedade civil organizada, com o objetivo de estimular a sua participação na administração. A capacitação de membros do legislativo e dos conselhos constitucionais, bem como gestores públicos de áreas específicas, tendo por objetivos melhorar os resultados na gestão dos recursos públicos e qualificar as políticas públicas. E, por fim, a publicação de sumários executivos das auditorias, cartilhas, folders, gibis e vídeos sobre temas relacionados à administração pública, em linguagem acessível ao cidadão, efetivando a transparência e o exercício do controle social.

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