Candidatos que prometem aumentar velocidade ignoram o resto do mundo

Coluna – Raul Juste Lores – Folha de S. Paulo

Quando Paulo Maluf começou a construir o Minhocão, em novembro de 1969, Nova York tinha cancelado havia pouco um projeto similar. Elevado cortando área densamente povoada era considerado equívoco. Mas Caetano Veloso já se perguntava "quem lê tanta notícia" em 1967 e Maluf se juntou aos desinformados.

Quarenta anos depois, José Serra criou novas pistas nas marginais, sufocando ainda mais o Tietê, enquanto Seul, Nova York e Madri estavam reduzindo asfalto nessas margens para seus rios respirarem.

Os governos Lula-Dilma gastaram bilhões com incentivos à indústria automobilística quando até a China (de Xangai a Pequim) começou a cobrar taxas pesadas das licenças para motoristas e, assim, tentar reduzir o número de carros nas ruas. Tem notícia que demora a chegar neste nosso rincão.

Os candidatos que prometem aumentar a velocidade ou que reclamam de ciclovias dão um atestado de ignorar o que anda acontecendo em cidades que costumam se importar mais com seus cidadãos que as nossas.

Em Paris, somem pistas ao longo do Sena para dar mais espaço aos pedestres. Nova York reduziu à metade as faixas para carros na Broadway e na Times Square e espalhou pracinhas e calçadões no lugar. Londres e Cingapura têm pedágio urbano há anos e a Buenos Aires ganhou ciclovias por todos os lados. Em Bogotá e na Cidade do México, dezenas de quilômetros de avenidas são abertas todos os domingos a pedestres e ciclistas.

Se você, candidato, viaja pelo mundo e não fica enfurnado apenas em shoppings e outlets, já deveria ter testemunhado essa recalibragem.

Não é preciso ser ambientalista para reconhecer que o espaço para os carros destruiu o verde e os rios paulistanos nos últimos 70 anos. Nem preservacionista para lembrar quantas camadas da nossa história viraram entulho para criar novas vias (enxugando o gelo, continuamos a produzir mais congestionamento).

O candidato com noção de que estamos em 2016 deveria apostar pelo aperfeiçoamento desse reequilíbrio. Quem, afinal, vai propor melhores e mais largas calçadas nesta cidade, para o verdadeiro pária paulistano, o pedestre?

Quem vai propor maior ocupação de ruas e praças pela cidade toda? Especialmente, por maiores de 70 anos e crianças, muitos deles condenados à TV como único entretenimento, e que ocupem o espaço público também à noite –uma virada para deixar ruas menos desertas, mais seguras? Quem consegue fomentar o aumento do uso das ciclovias para calar quem vê muitas delas constantemente vazias? Imagine um dia "vá de bike" por mês, promovido por grandes empresas com milhares de funcionários?

Sim, o PT está pagando a calamidade provocada desde Brasília por ideias ultrapassadas na condução econômica (e a periferia sofre mais no bolso que a classe-média-food-truck). Mas a política de desaceleração de velocidade e prioridade ao pedestre é contemporânea ao que é feito nas cidades bem informadas do planeta. Ser contrário a esse moderno ajuste é como andar de calhambeque: ficar para trás na história.

Texto publicado na Folha de S. Paulo.   

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